Esse #TBT é bem recente. Aconteceu há algumas semanas atrás.
Havia tido uma semana agitada. Cheia de coisas por fazer/resolver: aquela rotina de vida adulta que a gente bem conhece.
Na sexta-feira não tinha nenhum compromisso, tarefa ou qualquer outro perrengue que tomasse meu tempo. Achei, então, que seria o dia ideal para fazer algo que estava pendente: meu exame de sangue. Nada sério, somente controle mesmo de um colesterol que participa da minha vida desde que me entendo por gente.
Acordei relativamente cedo mas sem pressa. Era o dia que dedicaria para mim. Planejei tomar café sozinha pelo centro de Monza (eu gosto de fazer isso) depois do exame, quem sabe dar uma voltinha por aí, somente pra passar tempo mesmo.
O ônibus demorou para passar e assim que chegou, óbvio, estava mais cheio do que o normal.
Eu, que não gosto de incomodar ninguém e nem ser incomodada, procurei um cantinho onde pudesse ficar o mais quieta possível. Me posicionei na parte central do ônibus, num vão onde se coloca carrinhos de bebê/cadeiras de roda. Não havia nenhum bebê em carrinho e nenhum cadeirante. Espaço livre.
Do meu lado havia uma menina, jovem, talvez uns 16 anos. Logo mais algumas pessoas foram subindo e se acomodando naquele vãozinho que ainda tinha algum que outro espaço disponível.
Faltando umas 3 paradas para que descesse (próximo à clínica onde faria o exame) a menina chegou perto de mim e falou algo que eu entendi como "com licença me deixa passar". Achei um pouco estranho já que ela poderia passar do outro lado mas, enfim ... cada um com suas manias. Me afastei e dei espaço. Ela passou. Mas não prosseguiu.
No meio do caminho ela parou. Virou em minha direção, abaixou a cabeça e quando a levantou percebi que estava pálida. Mas pálida mesmo (primeira vez nesses meus quase 46 anos de vida que vejo alguém daquela cor). O rosto branco feito leite, tons amarelados ao redor dos olhos e ao redor da boca. Percebi que ela suava muito (fazia bastante frio naquele dia).
Olhei ao redor e parecia que aquela cena só eu estava vendo. E era verdade: somente eu havia visto, o resto das pessoas seguia concentrada no celular ou na paisagem da janela do bus.
Me aproximei. Segurei na mão gelada da menina e perguntei:
- "Você está precisando de ajuda? Está sentindo algo?"
Ela abaixou a cabeça, a sacudiu e quando voltou a cruzar o olhar com o meu, respondeu baixinho:
- "Não estou bem!"
- "Ok. Tenta ficar tranquila e respira."
Olhei em volta ... e o povo seguia nem aí.
Pedi para que uma senhora que estava sentada próxima à nós desse lugar para a menina, expliquei que ela não estava se sentindo bem. A menina sentou e eu fiquei de guardiã da mochila. Incrível como as mochilas dos estudantes italianos pesam pra caramba!
Nesse momento estávamos chegando no ponto onde eu deveria descer. Olhei de novo em volta e apesar de toda aquela movimentação estranha no ônibus, o povo seguia nem aí. Ainda me choca a indiferença das pessoas. Dei tchau para o ponto em que deveria ter descido e segui viagem com a menina.
Ela me olhou com uma cara de desespero e disse:
- "Eu preciso descer no ponto da Manzoni. Tenho que ir pra escola."
- "Ok. Não se preocupe! Eu desço com você. Não se preocupe com nada, somente respire. Estou cuidando da sua mochila."
Descemos onde a menina havia dito que precisava descer. Mas óbvio que ela não tinha condições de ir pra escola. A coloquei sentada no chão mesmo, encostada ao lado de um caixa eletrônico. Tirei o casaco da menina (apesar do frio ela seguia suando muito), me sentei junto à ela no chão e perguntei:
- "O que você quer que eu faça? Você quer ligar pra alguém? Quer que eu chame uma ambulância? Quer que a gente pegue um taxi e vá para o hospital? Eu vou com você."
Ela disse que preferia ligar para a mãe.
Fiquei atenta se a menina estava falando coisa com coisa. E sim, ela estava bem consciente. Disse pra mãe que tinha se sentido mal dentro do ônibus, que estava em tal lugar e que havia uma pessoa com ela que a havia ajudado.
- "A minha mãe vai ligar para meu tio para ele vir me buscar ..."
- "Tá bom! Fico aqui com você até alguém chegar."
Ela deu um sorriso tímido, agradeceu e deu um baita de um suspiro.
Começamos, então, a bater papo. Finalmente nos apresentamos (depois de todo susto), ela disse que se chamava Viola e que morava na mesma cidade que eu. Perguntei se ela já havia sentido isso antes. Ela disse que não e que por isso estava muito assustada. Eu logo pensei numa crise de pânico. Perguntei se ela estava preocupada ou estressada com algo, escola, etc. Ela disse que não.
Logo o telefone da menina tocou. Pelo visto era o tio, pedindo detalhes de onde ela estava. Disse que levaria alguns minutos para chegar.
- "Sem problemas. Fico aqui com você o tempo que for. Até alguém chegar."
Dessa vez ela deu um sorriso mais aparente e agradeceu novamente.
- "Viola, eu tenho um filho mais ou menos da sua idade. Se isso acontecesse com meu filho, gostaria que alguém estivesse com ele até eu chegar. Falando nisso ... qual escola você estuda?"
Tentava puxar papo de todas as maneiras possíveis para distrair a menina.
Foi então que de repente - e não mais que de repente - como numa cena de filme desses malucos, chegam 3 ônibus grandes (desses de turismo) repletos de alunos que iriam para um evento no teatro (que era bem próximo de onde estávamos). Desceram TODOS e se posicionaram bem onde estávamos sentadas. "Népussível ...", pensei.
Tentei esboçar um "oh, galera! Com licença!" mas naquela algazarra que só quem foi em passeio escolar sabe como funciona, não fui sequer ouvida. Levantei, catei uma professora no meio daquele grupo e pedi, por favor, que dessem um pouquinho de espaço. Expliquei o que havia acontecido e que estávamos esperando por alguém que viria buscá-la. No mesmo instante a professora, com a experiência de controle de caos que só os professores tem, conseguiu redirecionar o grupo um pouquinho mais afastado.
Voltei a sentar no chão com a menina. Ela sorriu, esboçou um "ufa!" e agradeceu novamente.
- "Ow Viola! Aproveitando que você já sabe que sou mãe, faça o favor de botar esse casaco novamente, porque está muito frio, você já parou de suar e tudo o que não queremos depois deste susto é uma gripe, né?"
Ela sorriu novamente, colocou o casaco e ficou olhando pra mim. Talvez pensando "ela é doidinha". Desta vez fui eu quem sorriu.
- "Estou feliz! Você já está bem melhor, recuperou já um pouco de cor. Me assustei com você ..."
Ela confirmou que se sentia um pouco melhor mas ainda sentia tontura.
Nesse momento lembrei do meu exame. Vi as ampolas do meu sangue me dando tchau e as gordurinhas de colesterol borbulhando de felicidade. Logo eu que havia planejado uma sexta-feira tranquila estava ali, sentada no chão, com uma menina desconhecida que tinha idade pra ser minha filha, nem aí para as pessoas que passavam e ficavam olhando sem entender e sem perguntar nada. Essa é a Vida ... a gente faz nossos planos mas, no final, quem comanda é ela.
Algum tempo depois o tio liga perguntando onde ela estava, que ele havia estacionado próximo do teatro (aliás, ao lado da escola do Pequeno).
- "Diz pra ele ficar ali que levo você até ele.". É muito difícil estacionar naquela zona e o trânsito - sobretudo naquelas horas - era muito intenso.
Levantei a menina do chão, peguei de volta a mochila (que pesava uns 80kg), parei o trânsito (já que ela não tinha condições de caminhar até o semáforo mais próximo) e logo encontramos o tio da menina. Ele desceu do carro, veio me agradecer. Eu expliquei como havia ocorrido tudo, disse que ela havia ficado pálida, suava muito, sentia tontura e dor de cabeça. Expliquei que havia me oferecido para levá-la até o hospital mas que ela preferiu ligar pra mãe. O senhor agradeceu novamente. Me despedi de Viola:
- "Tchau! Espero que você melhore logo. Se cuide!"
Virei a esquina e saí correndo feito uma velocista em final olímpica. Por sorte não era um exame cardíaco e sim um mero exame de sangue.
Como apesar dos perrengues a Vida sempre conspira para dar tudo certo, não havia ninguém esperando para fazer exame (também quem aguenta fazer jejum até aquela hora?) e acho que em questão de 10 minutos já havia terminado.
Sentei um pouquinho no corredor da clínica. Desta vez quem precisava respirar era eu ...
Fui tomar meu café solita, pensando o tempo todo na menina, desejando que ela estivesse melhor.
Os planos de bater pernas por aí ficaram pra outro dia. Havia tido emoção demais para uma simples manhã de sexta-feira. Melhor voltar pra casa.
Isso sim: no trajeto de volta, me acomodei num assento bem escondido no ônibus e nem olhei pro lado. Vai que ...