Sem idade.

"O tempo é um ponto de vista. 
Velho é quem é um dia mais velho 
que a gente..."


Pequeno, que segue com sua mania de bater papo pela rua, acabou conhecendo uma brasileira que mora perto de casa. Isso  foi na época da escola ainda. 

No meio do caminho ele viu um carro com um adesivo em português e bandeira do Brasil, deduziu que a pessoa seria brasileira, quando a viu puxou papo e, pronto ...  quase amigos. Bendita seja a facilidade de comunicação que meu filho tem!

Pois bem. Indagando-o sobre a pessoa, pergunto: ela é velha ou jovem?

- "Não sei", respondeu ele.

- "Como assim não sei? Tu não falou com a mulher? Tem mais ou menos quantos anos? Tem que ter uma ideia da idade dela ..."

Foi quando ele me respondeu, seco:

- "Não sei a idade. Ela é mãe."

- "Oi? Como assim, 'ela é mãe'? E por algum acaso mães não tem idade? Eu sou mãe e tenho idade. 41 anos, aliás. Tem mãe que é jovem, tem mãe que é mais velha ... além de mãe somos pessoas, ué ... e pessoas tem idade ...", respondi bem braba.

aí uma coisa que ainda não assimilei: ser classificada 'apenas' como mãe.

Parece que a gente vira mãe e, pronto, perde a identidade (e até a idade). Eu deixei de ser Tatiana e passei a ser a "mãe do Nicola". Engraçado mesmo é quando os coleguinhas e amigos do filho descobrem que temos nome. E até mesmo com as próprias mães: nos tratamos como 'mãe do fulano'. Na minha própria agenda do celular  tenho alguns contatos gravados com o nome das pessoas e, quase como um sobrenome, seguido de "mãe de Fulaninha' ou 'mãe do Ciclaninho'.  Não posso nem me queixar porque faço o mesmo.

Seguindo nosso papo meio sem nexo, perguntei:

- "Nicola, na tua cabeça, eu sou jovem ou sou velha?"

Ele respondeu rápido:

- "Jovem, né mãe?!"

Eu fingi que acreditei. E lembrei de quando tinha mais ou menos a idade dele, talvez até um pouco menos, e achava minha mãe 'velha'. Na verdade, nem sabia se se tratava de ser 'velha', 'meio velha' ou qualquer outra faixa etária que a definisse melhor. Eu só tinha a certeza de que ela não era jovem.

Minha mãe foi mãe jovem. Aliás, jovenzíssima pro meu gosto. Acho que ela tinha uns 19 anos quando meu irmão mais velho nasceu. Aos 25 anos de idade ela já tinha 4 filhos. Mas quando eu nasci, temporona, raspa do tacho, resultado de um descuido, ela estava com quase 39 anos. 

Atualmente é muito comum mulheres e homens optarem por ter filhos mais tarde. Mas há 41 anos, não era muito comum não.

Fui crescendo e vendo que as mães de minhas amigas e coleguinhas eram mais novas que minha mãe. Somente por isso passei a classificá-la como 'velha'. Até que um dia aconteceu uma coisa bem interessante, que ficou gravado na minha memória e que sempre que surge essa história de 'mãe velha', me lembro.

Estávamos numa fila esperando para que eu tomasse vacina. Não lembro qual vacina, mas era uma vacina que se tomava antes de ir para a escola. A fila era enorme. Enquanto as mães batiam papo, as crianças corriam e brincavam em volta. Naquele tempo, felizmente, não tínhamos nada eletrônico que nos distraísse do contato com o próximo. Assim que nosso principal problema era contornar a vergonha. O que não era o meu caso: sempre fui sem vergonha.   :)

Havia feito amizade com um grupo de meninas. Uma delas era chata pra caramba. Menina metidinha, cheia de nhenhenhém, vestidinho de lacinho, cabelinho bem penteado, não corria pra não suar, não sentava para não sujar a roupa e dependendo da brincadeira queria ser sempre a chefe, a que mandava, a que dava ordens. Eu mais parecia um "menino", correndo, cabelo todo suado. Da minha roupa não lembro muito bem, mas devia ser uma bermuda, que deveria estar suja por sentar em qualquer lugar. 

Minha irmã, que naquela época deveria ter uns 20 e poucos anos e já era mãe (jovem), seguia me tratando como uma filha e se esforçava ao máximo para que eu fosse uma "boneca": me comprava vestidos, saias, me penteava ... mas nunca fui fã de boneca. Na verdade, lembro de um Natal que ganhei uma e a primeira coisa que fiz foi arrancar a cabeça para jogar bola. Fazer o quê ...

Voltando ao tema. Não sei dizer direito o porquê, mas aquela menina com seu jeito, sua voz e suas chatices estava me irritando muito. 

Em determinado momento nos sentamos (a gente ia se movimentando de acordo com a fila). Então fomos identificando nossas mães.

- "Aquela de blusa azul e saia branca é minha mãe", disse uma menina.

- "Que bolsa feia a dela", disse a chata.

- "A minha mãe é aquela de calça preta e blusa rosa", disse outra menina.

Então, não dando tempo para a chata fazer qualquer comentário negativo sobre a mãe da outra, corri para dizer:

- "A minha tá ali atrás da sua. É aquela com aquele vestido de flor."

- "Nossa! Sua mãe é velha!", disse a chata.

Eu queria ter saído na porrada com a menina (aliás, coisa que eu fazia com frequência quando era pequena. Esqueci de dizer: eu era barraqueira). Mas saí correndo. Agarrei nas pernas da minha mãe e comecei a chorar.

Tadinha, ficou sem entender nada. Até que depois de muito insistir, eu disse:

- "Aquela menina chata lá te chamou de velha." ... e caí num pranto inconsolável.

Minha mãe, então, se abaixou, olhou nos meus olhos e disse:

- "Ah é? Então olha pra mim. Agora tu vai lá, vai voltar a brincar com as outras meninas e vai dizer pra ela que velhos são os trapos".

Acho que eu nem sabia o que eram 'trapos', mas achei aquilo tão bonito e tão forte que sequei as lágrimas, ajeitei a blusa, enchi as bochechas com toda a fúria possível (e cabia muita fúria, porque sempre fui bochechuda), botei a mão na cintura, cheguei toda valente e segura, olhei bem séria pra menina e disse:

- "Oh fulaninha, vem aqui! Minha mãe nem é velha, não. Velhos são os trapos. Ah! E minha mãe é bem mais bonita do que a tua."

Pela cara que a menina fez, acho que ela também não sabia muito bem o que eram 'trapos'.

Não lembro muito bem das pessoas, nem dos nomes. Não lembro nem da vacina, se doeu ou não. Mas os trapos eu nunca esqueci. E, a partir daquele dia, minha mãe passou a não ter mais idade. Isso nem importava mais. Ela era minha mãe e pronto. 

Talvez foi isso que Pequeno quis dizer: ela não tem idade, ela é mãe.

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