Aniversário em Quarentena.

54. Não. Ainda não é a minha idade. Cinquenta e quatro foram os dias que completei em quarentena no dia do meu aniversário (hoje já são 56). Há tempos havia deixado de contar  mas me dei ao trabalho de contar dia por dia pra saber exatamente quantos eram. Quis o destino que passasse meu aniversário assim.

Eu sempre dizia que não gostava de fazer aniversário. Não pela questão de cumprir anos e ficar mais 'velha'. Quem me conhece de verdade sabe bem que isso não me importa. Acredito que a idade é mais questão de espírito, de atitude, de vontade e de desejos do que simplesmente o corpo que vai envelhecendo, aparecendo ruga por aqui, por ali ... cabelos ficando brancos. Tá! Tudo bem! As rugas são uma sacanagem, admito!

Eu não sinto a idade que tenho e ela não me importa. O que importa é que me sinto bem e tenho muitos planos para ser uma velhinha espoleta (se a saúde ajudar). Tudo o que vivi até aqui contribuiu para ser a pessoa quem sou hoje. Clichê, eu sei. Mas sou bem feliz com o que tenho, com o que vivi, com o que sou. Porém, isso não me conduz à sensação de comodismo. Cada vez tenho mais nítida a sensação de que ainda tenho muito que aprender, que descobrir, que viver, que compartilhar. Muito ainda por conhecer. Ah! Também preciso aprender a ser mais sucinta.

Voltando ao foco: seguindo sobre o aniversário ... eu não gostava de aniversário. De festa de aniversário. Minha, porque dos outros eu amava (e ainda amo). Essa sensação estranha de não sentir prazer nesse dia me deixava bastante intrigada.

Na verdade, quando era criança, a única coisa boa da festa de aniversário era ganhar presente, sejamos sinceros. Mas logo a gente cresce e se dá conta de que isso, na verdade, importa bem pouco. Eu não dou bola para presentes. Óbvio que se ganho fico feliz. Mas se não ganho, não fico triste e rancorosa. Pra mim, de verdade, uma demonstração de afeto por mais simples que seja vale muito mais do que uma blusa bonita, uma bolsa, um presente material qualquer.

Pavor pra mim era na hora do maldito 'Parabéns pra Você'. E nem era por questão de vergonha. E nem era porque logo depois dele vinha o 'Com Quem Será'. Quem me conhece bem  sabe que vergonha mesmo tenho pouca. Mas o 'Parabéns pra Você' nunca foi um momento confortável.

Durante muito tempo fiquei tentando achar uma explicação para esse rechaço (sim, eu sou a Maria da explicação) e cheguei à conclusão de que talvez seja um trauma que carrego desde o meu aniversário de 1 ano: passei o dia ruinzinha, tive febre e saí  chorando em quase todas as fotos da festa. Após a festa, tive convulsão, fui parar no hospital e "quase morri" - segundo minha mãe. Na verdade, quem quase morreu de susto foram meus pais. 

Claro que segui tendo festas de aniversário. E não significava que cada ano, no dia 18 de abril (bonito esse dia!) era torturada e obrigada a usar roupa bonita, arrumar a casa, receber os amigos e fingir sorrisos de felicidade. Claro que não! Não significava que odiasse fazer aniversário. Também não era isso. Eu simplesmente não gostava. Comemorava? Comemorava sim. Era um dia legal onde recebia um monte de carinho? Era. Se ganhasse algum presente, ficava feliz? Óbvio. Mas não era um dia que esperasse ansiosamente, cheia de planos e expectativas. Dá pra entender?

Com o passar dos anos, algumas coisas ruins também foram acontecendo justo no dia 18 de Abril. Não que eu achasse que meu dia fosse tão especial, mas tão especial que deveria ser imune à coisas tristes e negativas. Também não era isso. Mas foram acontecendo coisas chatinhas com pessoas próximas que também contribuíram marcando negativamente esse dia: pessoas que ficaram doentes, algumas situações tristes com pessoas próximas, nosso carro que foi arrombado (quando morávamos em Roma e havíamos planejado um dia super especial na praia para comemorar meu aniver depois de muitas e muitas semanas de susto por conta de terremoto). Nossa Senhora do Karma, suplico por ajuda!

O dia perfeito pra mim era quando o marido pedia folga do trabalho pra passar o dia comigo. Deixávamos Pequeno na escola (desculpa, Pequeno!), almoçávamos juntos, cineminha, passeio. Pronto. "Só isso" já era suficiente.

O plano deste ano era passar o aniver no Brasil com a família. Já até imaginava meus pais entrando no quarto lá pelas 6 da manhã (eles adoram isso) disputando pra ver quem dava o primeiro abraço. Quem sabe reunir a família para um churrasquinho ... ou, melhor ainda, comer xis num lugar qualquer com música ao vivo. Ah! E caipirinha. Sim, alguma que outra. Pronto. Esse era meu plano perfeito de celebração.

Só que pra minha surpresa, algo que jamais pudesse imaginar, nem no pior dos meus presságios, era que passaria meu aniversário de 42 anos de idade em quarentena.  E quando falo quarentena é Q-U-A-R-E-N-T-E-N-A mesmo, de verdade. 

Sendo bem sincera, nesses quase 60 dias saí 2 vezes: uma logo no início, quando a 'quarentena' era apenas isolamento social, e fomos no açougue; logo a segunda e última vez há uma semana quando saí pra ir na farmácia na esquina de casa e foi a pior sensação que tive nesses últimos tempos. Quarentena mesmo, de no máximo descer para levar o lixo no quintal do condomínio (com luva, máscara, sem pegar elevador e Deus me livre  de encontrar algum vizinho).

Com a viagem cancelada, tinha a esperança de que "até abril" as coisas já estivessem melhor.  E, então, meu dia ideal seria tomar café em família, receber o carinho dos meus Nicola's, colocar uma roupa legal, ir almoçar no restaurante preferido, dar um passeio pela cidade, quem sabe curtir um cineminha ou teatro, voltar pra casa ... bom, quem sabe um aperitivo no final da tarde. Pronto. Só isso. Eu me contento com pouco.

Mas não. Fiquei fazendo um super esforço pra tirar o pijama. Tentei arrumar ânimo pra disfarçar as olheiras e falta de sol. Tentei dar jeito nos cabelos (que seguem caindo feito folha de árvore em dia de vento no outono) e tentando controlar a vontade de resmungar que também é bem característica minha.

Mentira! Enganei você! Se tem uma coisa que aprendi com todo esse confinamento foi  viver um dia de cada vez, sem muitos planos pro futuro (nesse momento isso só causaria mais agonia). Aprendi a acordar e tentar fazer do meu dia o melhor dia possível. Focar em coisas boas, coisas melhores, coisas legais e tentar contribuir em algo positivo para alguém.

Pois então, aprendendo a ser sucinta: acordei com uma vontade danada de dar um 'tapa no visú', nem dei bola pros cabelos caindo. Coloquei um espumante pra gelar. O marido fez  aquele almoço especial pra mim. Desta vez, Pequeno não estava na escola e se encarregou de me encher de surpresas: no dia anterior, passou o dia decorando o quarto dele para me surpreender (inclusive colocou um cartaz na porta dizendo que estava proibida de entrar até a meia-noite). Decorou tudo com luzes, flores, escreveu mensagens no guarda-roupa, tocou "Parabéns' no teclado, fez serenata com o violão. Também fez uma poesia linda que me encheu de felicidade. Passou o dia inteiro dando beijo, carinho e abraço. Sentia no olhinho dele o esforço por fazer daquele o meu melhor dia. E conseguiu.

Só que à  tarde, após o almoço, um banho frio nos trouxe de volta para nossa realidade:

- "Meus Deus! Ow mãe! Tem uma ambulância aqui no prédio", disse Pequeno super assustado.

E da ambulância desceu uma pessoa totalmente "blindada", com aqueles típicos macacões brancos que parecem de astronauta. Entrou com uma espécie de isopor (iguais aos que a gente vê na tv daqui), possivelmente levando o "tampone" (teste)  pra fazer em alguém.

Silêncio. Marido com cara de preocupado. Pequeno com cara de apavorado. Meio encabulados saímos pra sacada e descobrimos que alguns outros vizinhos já estavam em suas sacadas também.

Alguns minutos depois, o moço saiu e gritou para a outra pessoa que havia ficado na ambulância:

- "Teremos que levá-la. É cardiopata".

E entraram com a maca.

Nós seguíamos ali, agora mais apreensivos. E mesmo sem pronunciar uma palavra sequer dividíamos explicitamente com os vizinhos aquela sensação de medo, angústia, preocupação.

Logo saíram com nossa vizinha. Uma senhorinha idosa, que estava super nervosa. Partiu nosso coração vê-la sair naquela situação ... e sozinha. O protocolo não deixava que ninguém a acompanhasse.

Desatamos em choro. De medo, de nervoso, de preocupação: pela senhorinha nossa vizinha e também, sendo bem sincera,  pensando nos nossos.

Mas como disse antes: um dia de cada vez, um leão por dia. E embora nossa realidade ainda seja dura e crua, dessa vez eu e marido fizemos um esforço tremendo pra tirar a preocupação da cabecinha do Pequeno tentando fazê-lo retornar à boa vibração do dia. Acabamos indo eu e ele pra cama e tiramos um super cochilo (fazia muito tempo que ele não dormia à tarde).

Ainda não sabemos nada da vizinha. Aqui ninguém se fala, ninguém sai.

Bom ... sucinta, Tatiana. Sucinta! Voltando ao foco do aniversário.

Voltando lá nos primeiros parágrafos, sabe por que escrevi tudo no passado? Simplesmente porque já deu. Jurei que a partir deste ano (e sempre que puder - e como puder), celebrarei meu dia como O DIA mais especial da minha vida. Porque, afinal, ele é. Apesar de todos os pesares.

Feliz Aniversário pra mim!

E sim! Teve até 'Parabéns' entoado pelos meus Nicola's. E também teve 'Com Quem Será' por parte do Pequeno.



Sim! Eu sou do tempo em que as garrafinhas (de vidro) tinham "roupa".

4 comentários:

  1. Pois eu não comemoro só um dia de aniversário, comemoro uma semana inteira! rsrsrsrsrs... Já deu sim, que o próximo venha em grande estilo, Tati! Mais que merecido!E o "trauma da hora do parabéns" é um clássico! Por razões diferentes, é um momento de tensão para uma galera... rsrsrsrs... meu marido é assim até hoje! Eu já tive meus anos de vergonha da hora do parabéns também, mas gosto tanto de festa que não tive outra alternativa do que superá-la. E olha aí outra coisa em comum, o poder de síntese! :D Vou nessa antes de escrever um post! Beijão para vocês e que o restinho de quarentena que nos resta seja o mais breve e leve possíveis!

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    1. Bianca, não sei se chegarei nesse nível de comemorar a semana inteirinha :) ... se bem que a ideia não me desagrada (estamos progredindo). O segredo pra aliviar a tensão na hora do parabéns é cantar junto kkk anos de experiência.
      Aqui os ânimos já estão melhores, na expectativa pelo recomeço.
      Desejo o mesmo pra vocês: que seja leve e, sobretudo, breve.
      Bjão!

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  2. Feliz aniversário Tati, desejo tudo de melhor para você! Vamos torcer para tudo isso passar logo! Você faz aniversário no mesmo dia do Antonio, meu marido. Também celebramos com minifestinha aqui na quarentena! Beijos

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    1. Olha, não conheço o Antonio mas tenho certeza de que é boa gente ;)
      Aliás, família ariana, que legal :)
      Com certeza tínhamos que comemorar, afinal de contas, o brinde à Vida era mais do que necessário. Vocês saíram ganhando, pois a comemoração foi dupla.
      Abração pra vcs e feliz aniversário para o marido!
      Bjinhos!

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