Comemos algo rápido em casa mesmo (viva o drive thru!) e seguimos para nosso último destino: Bormio.
Fica aqui na Lombardia, umas duas horas e um pouquinho de casa, na região chamada de Valtellina. Uma cidade de montanha, na zona do Parque Nacional do Stelvio. É uma cidade ideal para quem gosta de praticar esportes (não! Não é o nosso caso.): no inverno, seu principal atrativo são suas pistas de esqui, short track. E fora do período frio, também é uma cidade super atrativa para quem pratica ciclismo, trekking. Um lugar super charmoso. Por vários momentos tive a sensação de estar fora da Itália, sobretudo pelo tipo de construção das casas.
Mas, antes de chegar em Bormio, passamos pelo maior momento de aventura que, talvez - me atrevo a dizer - tenhamos vivido até aqui.
Colocamos nosso destino no Waze. Apesar da distância em km não ser tão grande assim, a viagem demoraria algumas horas. Tudo bem. Já imaginávamos isso sabendo que iríamos para uma zona de montanha e, certamente, a maior parte do trajeto seria em estradas estatais (as famosas estradas tartaruga, somente uma pista pra cada sentido e um caminho cheio de curvas).
Beleza! Fomos apreciando a paisagem que ainda não conhecíamos. Passamos por uma zona linda no Lago di Iseo. Que vontade de parar e ficar por ali mesmo. Quem sabe na volta pra casa pararíamos para algumas fotos.
Passamos por várias cidadezinhas tão lindinhas! Todas de montanha. E muitas cheias de turistas.
Após um pequeno engarrafamento por conta de um acidente entramos numa parte da estrada que, meu amigo, minha amiga ... talvez seja uma das mais perigosas do mundo mundial. Ou, talvez, o susto tenha sido maior porque não estávamos esperando um trajeto assim tão complicado.
Em determinado momento, uma parte da estrada fica absurdamente estreita, com penhascos de assustar, sem proteção e sem acostamento. E o susto (para não dizer cagaço mesmo!) fica por conta de quando vem um carro na direção contrária. Quem puder que dê ré em curva (tendo um penhasco bem do lado) para deixar o outro passar.
Por umas duas "rés" senti minha alma saindo do corpo. Até suar nas mãos suei. Coisa que não acontece nunca.
Marido, que estava super concentrado no volante, até riu dizendo que:
- "Isso é bom ... faz a gente se sentir vivo."
- "Pois eu só tô pensando que vou morrer!", disse enquanto mostrava minhas mãos trêmulas.
A estrada seguiu cheia de curvas atenuadas mas, depois, felizmente ficou mais larguinha e dava para passar dois carros ao mesmo tempo tranquilamente. Conseguimos até dar uma paradinha para esticar as pernas e mandar a tensão embora enquanto admirávamos as montanhas ao redor (algumas ainda com neve).
Eu juro que não é exagero. Fiquei tremendo por algum tempo, só pensando na volta, em ter que passar por ali de novo.
Chegamos no hotel e logo perguntamos para o recepcionista se aquele caminho que fizemos era o único para chegar ou sair dali.
- "Nãooooo ...", respondeu ele num tom de 'vocês vieram por ali?'.
Waze, meu filho! Maldito Waze que mais de uma vez já nos colocou em roubadas.
Ele explicou que caminho deveríamos seguir quando voltássemos e ali senti que, finalmente, poderia aproveitar o resto das férias bem tranquila.
Por ser região de montanha, o clima estava super agradável, friozinho até. Talvez uns vinte graus de diferença entre Florença x Bormio.
Na nossa primeira noite, como chegamos mais tarde do que o previsto, saímos apenas para jantar e para fazer um passeiozinho rápido pelo centro histórico da cidade. Mas nem pudemos aproveitar muito porque logo começou a chover, com direito a raios e trovões.
No dia seguinte, previsão de chuva para o dia inteiro, resolvemos aproveitar as termas da cidade. Foi nossa melhor escolha: o friozinho e tempo nublado estavam ideais para aproveitar as águas quentinhas do local. Pequeno aproveitou bastante, sobretudo o tobogã que havia.
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Sim! Máscara até nas termas. Só podíamos tirar a máscara para entrar na água (ou, no caso do Pequeno, para fazer foto) |
No sábado, nosso último dia, resolvemos fazer uma trilha no Parque do Stelvio. No início todo mundo bem animado, cheio de vontade e de coragem. Tínhamos algumas opções de trilhas pela zona. Caminhamos até uma bifurcação com algumas placas.
Decidimos ir conhecer a Croce della Reit. Seguimos a direção da placa, afinal 2 km montanha acima não parecia ser algo assim tãooooo absurdo. Giramos à esquerda e seguimos a trilha subindo a montanha bem felizes e contentes.
No meio do caminho encontramos algumas pessoas subindo também e muitas já descendo, na sua maioria crianças, cheias de energia e com todos os apetrechos possíveis: botas adequadas, bastões, mochilas com água. Única coisa que tínhamos em comum com eles era a água na mochila. De resto ... o tênis era o que usamos para correr/caminhar. Tá bom ... a roupa também era apropriada. Mas logo percebi que o danado daquele bastão fazia toda a diferença.
Quando eu já estava botando os bofes pra fora, acredito que mais de uma hora de subida, encontramos um grupo de crianças descendo a toda velocidade. Perguntamos para eles se ainda faltava muito para chegar à cruz. Praticamente todos confirmaram:
- "Ah, falta!"
- "Putz grila!", 'disse' só mentalmente. Afinal de contas tinha uma reputação que manter.
- "Falta sim ... ainda falta uns 45min/1h. A gente tá fazendo rápido porque a gente tá treinando ..."
Tipo: "talvez vocês ainda demorem umas 2 horas ..."
- "Puta que o pariu!" ... não falei, mas foi exatamente isso que o marido leu no meu olho.
Não sei se foi o cansaço ou a falta de incentivo que senti pela parte dos meninos, mas nesse ponto, apesar de termos decidido seguir a subida, deixei marido e Pequeno irem pra frente e fui ficando para trás.
Durante boa parte do trajeto me fez companhia silenciosa uma senhora que estava com um menininho de, no máximo, uns 3 aninhos e um cachorro que parecia conhecer bem o caminho. Fiquei surpresa de ver o menininho subindo aquela montanha com passos lentos, de acordo com suas curtas perninhas, mas constantes. Porém, no momento em que a senhora (que parecia morar por ali e fazer aquele trajeto com bastante conhecimento de causa) colocou uma corda na cintura do menino e começou a puxá-lo, senti que o negócio definitivamente não era pra mim.
Resolvi parar e comecei a escutar ecos que soavam estranho em meio aquela subida repleta de ribanceiras e árvores:
- "Tati ... tati ... tati ... tati ... tati ...."
No início não dei muita bola. Só podia ser o cansaço e estaria confundindo qualquer som da natureza.
A senhora e a criança desapareceram do meu raio de visão. E, de novo o eco:
- "Tati ... tati ... tati ... tati ... tati ....tati ....tati ....tati ....tati ", dessa vez mais longo.
Pronto! Peguei ensolação e já estou passando mal. Exagerada ela? Imagina ...
No terceiro "Tati ... tati ... tati ... tati ... tati ...." reconheci a voz do marido. Olhei pra cima e ... nada. Até que resolvi tirar o celular do bolso. Era ele me ligando.
Uma pessoa normal teria respondido com "Oi! Alô! Fala!" ... algo do tipo.
- "Quê que é?", respondi num tom de irritação nível hard.
- "Estamos no tornante 32, faltam só uns poucos e a gente chega."
(*tornante = curvas)
- "Quantos são no total?"
- "54"
- "Ah! Não vou mesmo! Fico por aqui."
- "Claro que não! Já estamos quase chegando, falta pouco. Não vai desistir agora."
- "Uffff ... Vão vocês que eu vou atrás".
Tínhamos ritmos diferentes e, sobretudo, estados de ânimo bem dispares.
Meia hora depois encontrei a plaquinha do tornante 32, de onde o eco que chamo de marido havia me ligado. Pronto! Ali o resto de ânimo que ainda existia no meu corpo resolveu me abandonar.
Mandei mensagem para o marido:
- "Desisto! Tô descendo".
- "Não! Falta pouco! Não desiste agora! Tu vai te arrepender".
Que saco! Resolvi seguir a subida. Mas não durou nem 10 pernadas.
Quer saber? Eu não vou subir não! Me arrependo é de ter vindo! Tô cansada, com sede, pelos cálculos dos meninos deve faltar ainda 1 hora. E nem quero ver essa droga de cruz. Aliás ... o quê estou fazendo aqui ainda?
Não pensei nada disso. Externei mesmo, falei em alto e bom tom. Afinal, estava sozinha. E, naquelas alturas se alguém me ouvisse falando sozinha, sinceramente, me importaria bem pouco.
Mandei uma última mensagem:
- "Espero vocês lá embaixo." E não olhei mais o celular.
Desci cheia de cansaço e de raiva. Dei umas 30 derrapadas e voltei preocupada com Pequeno descendo por ali. Até pensei em mandar uma mensagem do tipo 'cuida o Nicola na descida'. Mas juro que minha reação naquele momento foi: "eles que se ralem!". É feio, eu sei, mas foi bem isso que pensei. E "eles" bem assim no plural.
Sabe aquela história: não reclama que tá ruim que sempre pode ficar pior? Pois bem ... no meio da descida me deu vontade de fazer xixi.
Ok. Beleza! No meio do mato, cheio de árvores, estava sozinha (só de vez em quando aparecia uma viva alma). Simbora ali no cantinho, atrás da árvore ou atrás da pedra pra fazer xixi. Vocês teriam feito? Porque eu não consegui. De vez em quando até parava analisando o local, vendo se vinha alguém, procurando um local bem estratégico, mais plano ou mais escondido. Mas logo aparecia um bicho e ficava morrendo de medo de uma abelha vir e ... pois é. Aguentei toda a descida com a bexiga explodindo.
Felizmente, bem próximo do início da nossa penitência, perto das plaquinhas que havíamos visto logo no começo da nossa trilha, tinha um banco. Não sei se para os homens funciona do mesmo jeito mas para nós, mulheres, sentar alivia um pouquinho a vontade.
Um casal veio pedir informações. Mal sabiam eles para quem estavam pedindo informações. Logo chegou um outro casal que parecia ser local. Fiquei feliz porque pelo menos teriam informações corretas.
Pouco tempo depois chegou o marido, com cara de cansado e de brabo. Mais atrás veio Pequeno, com cara de brabo e com os olhos quase explodindo em lágrimas. Tinha se machucado, improvisando um bastão com galho de árvore que encontrou no meio do caminho. O pai dele disse que não era para usá-lo, ele não o obedeceu, escorregou e o galho o arranhou bem nas costelas, marido atirou o galho longe, Pequeno queria trazer o galho pra casa de lembrança (na falta de lojinha de souvenir na montanha) e ... enfim ... problema deles! Eles que lutem! Apesar de ter ficado com dor na consciência pelo "eles que se ralem" ... o menino voltou ralado, judiaria!
Logo marido bateu papo com o segundo casal que havia dado informação para o primeiro e descobrimos que a indicação ali na placa não era em distância, mas sim em ... horas. Ou seja: 2 horas e não 2 km.
Trocamos olhares cúmplices de "quanta ignorância" e seguimos a trilha, que era mais plana, até um ponto para fazer piquenique. (sim! Na primeira vez que olhamos a placa havíamos imaginado que a distância era de 150 metros ... ao invés de 15 minutos).
No meio do caminho encontramos um ponto ideal para que pudesse fazer xixi. Um refúgio que parecia estar ali estrategicamente para servir de banheiro no meio do mato. Pedi para que marido ficasse de um lado observando se vinha alguém, Pequeno do outro.
- "Não vem ninguém, mãe! Vai!"
E quem disse que o xixi saiu? Não teve jeito. Eu provavelmente faria xixi nas calças, mas não tinha santo que fizesse com que o xixi saísse ali naquela posição nada favorecedora, no meio do mato, cheio de bicho, tendo meu filho como testemunha.
Fizemos piquenique e logo resolvemos voltar para o hotel. Havia esquecido o quanto era longe o trajeto entre a trilha e onde havíamos deixado o carro.
Resumindo: não fiz xixi nas calças e nem no carro. Aguentei até o hotel e até fiz piada após aliviar a bexiga e descansar as pernas:
- "Agora quando perguntarem se sou de mar ou de montanha, vou responder com certeza absoluta sou de mar. Afinal, no mar eu faço xixi bem de boa ... "
Na nossa última noite passeamos pela zona mais próxima da estação de esqui. Foi muito legal caminhar por lá, apesar do cansaço e dos meus Nicola's reclamando de dor nas pernas. Ao contrário deles, minhas pernas não doíam. Acho que os 22 tornantes que não subi fizeram a diferença.
No domingo acordamos cedo para tomar café no hotel. Logo fizemos o check out e, felizmente, dessa vez pegamos a estrada certa. Passamos perto do Lago di Como, mas sem nenhum local adequado para parar e tirar foto. O Lago di Iseo fica para uma próxima. Logo, chegamos em casa. Bem mais tranquilo do que a ida: menos tempo e mais seguros, sem perrengues de penhascos, cabras/bodes no meio da estrada, dar ré pra outro passar e sem a sensação de "Pronto! Agora morri!".
Chegamos em Monza já com saudade de Bormio: aqui estava um calor infernal. Casa para limpar, roupas para lavar, compra por fazer, Pequeno que ainda tem que terminar boa parte dos deveres de férias, marido triste que teria que voltar a trabalhar (apesar de ainda estar fazendo home office).
Que pena que tudo que é bom dura pouco!
Conclusão das férias: voltamos revigorados, matamos a saudade da nonna, descansamos, redescobrimos paisagens encantadoras e conhecemos novas que ficarão pra sempre em nossas retinas e descobrimos que uma adrenalinazinha de vez em quando faz muito bem. Ah! E que as indicações nas montanhas são em horas :)
Bom ... e eu, particularmente, tenho um novo item para minha lista de "coisas para fazer antes de morrer": xixi no mato. Me aguardem ...
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