Semana passada. Estava em casa, Nick Jr. e eu havíamos terminado nosso almoço tardio ( o espero sempre para almoçar - ele chega da escola por volta das 14:15h). Estava organizando a cozinha, iniciando a lavar a louça quando vejo pela janela minha vizinha se aproximando.
Ela se aproximava segurando em uma das mãos um vaso de barro e com a outra mão acenava para que eu saísse. Saí sorrindo porque já sabia do que se tratava.
Há algum tempo (uns 2 anos, talvez) ela apareceu aqui em casa com um vaso, sempre de barro. Me contou que ela gostava muito daquele tipo de vaso (e gosta, o jardim dela é todo decorado com eles), me disse que de vez em quando ela recicla os vasos, outras vezes enjoa deles mesmo. E perguntou se eu queria aquele vaso que ela estava segurando.
- "Eu quero sim! Eu gosto deste tipo de vasos ... só não compro porque eles são caros ..." (pronto! A vizinha acabara de descobrir que sou mão de vaca ...)
Então me contou que a maior parte dos vasos ela compra em mercadinhos, antiquariados e alguns lugares específicos. Me deu algumas dicas.
Passaram-se alguns meses. Período de férias de verão do ano passado. Ficamos algumas semanas fora de casa e quando volto vejo duas surpresas no meu jardim: primeiro o meu basilico (manjericão) que havia deixado lindo e passei toda a viagem pensando nele que morreria por falta de água, estava mais lindo do que sempre foi. Logo, percebo um novo vaso de barro no meu quintal. Sorri, porque sabia que só poderia ter sido a minha vizinha.
Alguns dias depois a encontrei e ela me contou que havia deixado o vaso pra mim. Ah! E que havia se encarregado de molhar o basilico:
- "Ele estava tão bonito! Não podia deixá-lo morrer."
E me disse que trazia água da casa dela para regá-lo (já que quando vamos viajar, desligamos a água de toda a casa. Apesar de ter torneira no quintal, a pobre da vizinha não conseguia tirar água dali, uma vez que o registro ficava fechado).
Me pediu desculpas se estava sendo invasiva.
- "Imagina! Eu só tenho que lhe agradecer, duplamente!".
Assim que quando a vi acenando com um vaso em mãos, já sabia do que se tratava.
Saí e ela me contou que estava organizando algumas coisas no quintal, que aquele vaso ela não queria mais e perguntou se eu gostaria de ficar com ele. E é claro que eu queria!
Ela se encarregou de onde colocá-lo:
- "Vamos colocar aqui ó, fica bem bonito de se ver quando as pessoas passam ..." (detalhe que se trata do quintal na parte de trás da casa, onde só passam os vizinhos das 12 casas do nosso condomínio).
Então começamos a conversar. Conversamos sobre insônia, sobre as férias, sobre o marido dela (que acabava de passar por um intervento cirúrgico), falamos sobre nosso condomínio, sobre filhos, sobre eu tirar a carteira de motorista, sobre plantas, sobre morar aqui.
Faz 40 anos que ela mora aqui (27 nesta casa) e, segundo ela, ainda não se adaptou, sente falta da sua terra (detalhe, ela é de uma cidade que fica uns 80km daqui).
Sorri e disse:
"Se a senhora tem esta sensação, imagine qual é a minha ..."
Ela perguntou se eu tinha contato com minha família. Se eu era ligada à eles ... sorri novamente e perguntei se ela estava com tempo ...
Contei que eu não era ligada à minha família ... mas que era GRUDADA na minha família. Que vinha de uma família grande e bonita. Que era a última de cinco filhos, raspa do tacho bem raspa mesmo, que tinha uma relação especial com meus sobrinhos, que sinto uma falta danada do meu pai que não está mais aqui nesta terra há quatro anos mas que me sentia muito sortuda em ter minha mãe, com quase 85 anos, que estava bem, vez que outra resmungando, vez que outra dando sustos, mas que estava bem e que falava com ela todos os dias.
Ela sorriu e me contou que dia desses um dos irmãos (ela é a mais velha de 7 filhos) havia mandado um vídeo de uma festa familiar de alguns anos atrás.
Percebi que seus olhos se encheram de lágrimas, lágrimas estas que logo começaram a se espalhar por seu rosto.
- "Foi um momento feliz que hoje me causa tristeza, porque muitas daquelas pessoas que estavam no vídeo hoje já não estão mais ... inclusive minha irmã."
E continuou ...
- "... é aquela fase onde começa a partir um por um ... e logo a gente vai também!", disse ela enquanto secava as lágrimas dos olhos.
Minha vizinha tem uns 70 e poucos anos. Esta fisicamente muito bem. É uma senhora bonita, se veste bem. Aqui no condomínio moram ela e o marido, na casa ao lado moram o filho mais velho e uma nora e na outra casa o outro filho, a nora e o neto.
- "Imagina! Não fique assim triste, não. Coisa boa ter momentos felizes pra lembrar. Infelizmente a única coisa certa é que algum dia partiremos. O importante é fazer com que esse intervalo de tempo entre a chegada e a partida seja vivido da melhor forma possível. E se conseguimos compartilhar esse percurso com pessoas queridas, melhor ainda!"
- "Escuta, vamos lá em casa tomar um café?", me disse ela.
- "Vamos tomar café sim mas aqui em casa. Entre, por favor!"
- "Mas eu só tomo café de moka!", disse ela.
- "Sem problemas! Tenho moka aqui em casa de todos os tamanhos ..."
A moka é a cafeteira por excelência dos italianos :)
É uma cafeteira que basicamente usa a pressão gerada pelo vapor para empurrar a água através do café. Para vocês terem uma ideia, depois de alguns (muitos) anos tentando introduzir nesta casa uma máquina da Nespresso, somente no ano passado consegui essa façanha. Porque até então café nesta casa era feito só com a moka.
Pois bem ... entramos, fiz um cafezinho (na moka) e seguimos batendo papo. Dei muitas risadas com minha vizinha. Ela é braba, meio encreiqueira, ao mesmo tempo uma pessoa educada e elegante mas que quando menos se espera, solta um palavrão. Ou seja, tirando o elegante, me identifico totalmente com ela.
Ela se emocionou mais algumas vezes, tadinha! Perguntou novamente se falava com minha mãe todos os dias.
-"Sim, por videochamada. Às vezes a gente se fala mais de uma vez ao dia."
Ela sorriu.
Ficamos mais de uma hora batendo papo (somente dentro de casa, fora toda a conversa que tivemos no quintal). Até que ela lembrou que o marido estava em casa sozinho.
- "É! No final a gente nem vive tão mal aqui. É um lugar tranquilo, os vizinhos são tranquilos ...", disse ela enquanto saía de casa.
E complementei ...
- "E eu ainda tenho sorte de ter uma vizinha que me dá vasos lindos ... não dá pra reclamar mesmo ..."
Ela sorriu.
Eu entrei em casa e não consegui voltar a lavar minha louça. Fiquei pensando na sensação de "não ser o nosso lugar", fiquei pensando nas saudades, nos momentos familiares que com o tempo irão mudar ... ou se extinguir ... e fiquei pensando: essa mulher tem duas noras para dar os vasos, que moram aqui ao lado dela ... seja lá qual for o motivo para não serem elas as escolhidas (ou vai ver elas nem gostam daquele tipo de decoração), só passava pela minha cabeça: que sorte a minha! Pelo vaso ... e pelos meus!
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