Sexta-feira precisei ir na agência dos correios (Poste Italiane) para fazer um depósito (que não poderia ser feito online). Algo absolutamente arcaico, tão obsoleto que eu já nem lembrava mais como funcionava.
Poderia fazer o pagamento na segunda? Poderia. Até mesmo no sábado pela manhã. Mas como boa ariana prática e imediatista, pensei: por que deixar para amanhã o que pode ser feito agora?
Chamei o Pequeno para me acompanhar. Mais que nada pra fazer companhia e pra bater um papo fora do contexto de pouca conversação típica de adolescente aborrecido com puxões de orelha por conta do estudo :) Os papos em casa são praticamente os mesmos ... simbora trocar o ambiente para ver se o assunto flui. Arianos também gostam de sair da rotina ...
Fomos a pé, uma caminhadinha boa debaixo de um solzinho agradável, numa típica tarde de inverno.
Durante o trajeto trocamos ideias, Pequeno tagarela como sempre contando suas histórias. Quando vimos ... 'Opa! Já chegamos!'.
Peguei a senha de atendimento e logo fui preencher o boleto com os dados do depósito que precisava efetuar. Há muito tempo, acho que uns 3 anos, logo que cheguei aqui em Monza, precisei ir nessa agência dos correios (a maior da cidade - existem várias mas aquela é a sede central, espaço físico maior e um horário de atendimento mais amplo). Lembro que haviam vários tipos de canhotinhos de depósitos/pagamentos expostos numa espécie de estante. Cada pessoa chegava lá, pegava seu boleto correspondente, preenchia os dados que faltavam e pronto. Dessa primeira vez nem foi esse tipo de serviço que precisei fazer mas me chamou a atenção o "procedimento", digamos assim. Me pareceu nada prático ... mas quem sou eu para julgar as burocracias italianas?
Pois bem. Peguei minha senha e fui logo procurando a estantezinha com os papéis. A estantezinha não existia mais. Beleza! Com certeza algo teria mudado nesses 3 anos que não pisei mais por lá, né?! Havia uma bancada com alguns papéis espalhados. Fui dar uma olhada, não achei o tipo de doc que precisava mas havia um boleto em branco. O peguei, iniciei a preencher os dados ... longos dados do destinatário, valor e meus dados que deveriam ser repetidos por 3 vezes (em 3 partes diferentes do canhoto) que demandaram alguns minutos de caneta. Minutos suficientes para perder a vez: chamaram minha senha porém seguia lá preenchendo os detalhes do pagamento.
tipo isso |
Nesse meio tempo, ao meu lado, um senhor esbravejando os maiores palavrões possíveis da língua italiana. Era um "PQP" seguido de um "VTC" misturado com um "VSF" que não dava nem tempo do homem respirar. Achei que fosse ter um piripaque de tanta raiva que exalava daquela criatura.
A raiva só foi aumentando, os palavrões se multplicaram e seu tom de voz passou a assustar. Comecei a ficar nervosa. O primeiro impulso era o de oferecer ajuda mas o homem me pareceu meio estranho e estava tão furioso, mas tão furioso que jurei que ele seria capaz de enfiar a caneta no meu olho caso abrisse minha boca para perguntar se queria ajuda. Fiquei com medo mesmo. (Trágicos. Sim, arianos são trágicos!)
Naquela onda de "não reclama que fica pior", escrevi o valor (por extenso) errado. Pequeno soltou um:
- "Deixa assim! Ninguém vai dar bola ..."
Ah, menino! Logo eu? A rainha (absurda) do perfeccionismo? (Arianos, sabe?!). Rasguei o papelzinho e voltei a escrever tudo novamente.
Terminei de preencher após longos minutos e só então fui retirar uma nova senha. Nesse meio tempo, finalmente, apareceu um funcionário dos correios para oferecer ajuda ao senhor. Enquanto esperava minha nova senha ser chamada, escutei uma senhora perguntar algo sobre um pagamento que achei que fosse o mesmo meu. O mesmo funcionário que havia oferecido ajuda ao senhor estressado deu um papel pra senhora que me deixou com dúvidas. E, na dúvida, melhor perguntar. O homem me olhou com cara de "sua imbecil, óbvio que não é esse papel", pegou meu boleto que havia demorado longos minutos para preencher, rasgou-o nada delicadamente bem na minha cara e me deu um novo papel.
Voltei pra bancadinha pra analisar minha nova situação e percebi que o novo boleto era exatamente igual ao que tinha preenchido. A única diferença era que naquele os dados que tanto demorei para preencher já vinham digitados. Precisava apenas completar com meus dados.
Concordei com o funcionário dos correios: "imbecil". Como assim eu não sabia que tinha que pedir por algo que nem sabia que existia? E juro que fiquei tentando achar a diferença do que havia escrito a mão e aquele que o funcionário me havia dado.
Ao meu lado, Pequeno analisando o papel, disse:
- "Ué ! Mas é igual ao que tu tinha preenchido antes?"
Ah, pois! Melhor ficar quieto e fazer como o homem havia indicado.
O senhor estressado desapareceu. Acho que não conseguiu resolver o seu problema e deve de ter ido esbravejar em outro lugar.
Enquanto esperávamos, Pequeno me chamou a atenção para uma cena cinematográfica que estava acontecendo diante dos nossos olhos: a agência cheia de gente esperando por atendimento e 4 funcionários numa rodinha que me lembrou muito aquelas rodinhas que a gente fazia em tempos de escola elementar, num papo super divertido, contando piadinhas e dando gargalhadas ... como se nada estivesse acontecendo em volta. Pequeno começou a rir e disse que adoraria trabalhar ali.
- "Seria muito divertido viver esse ambiente todos os dias!"
- "Eu, hein?! Menino maluco!"
Alguns minutos depois, um dos bobinhos piadistas da rodinha de escola, vulgo atualmente funcionário dos correios, chamou minha senha. Como ele já estava bem feliz e risonho, seguiu nesse clima durante o atendimento. Até perdeu seu precioso tempo oferecendo para o Pequeno um serviço de telefonia dos correios que estava em promoção. E ainda teve a cara de pau de dizer:
- "Vou explicar direto pra ele que é um menino esperto e vai entender melhor do que a senhora do que estou falando."
Pronto! Além de imbecil, velha (odeio quando me chamam de senhora) e burra ...
Agradecemos a 'simpatia' e a 'gentileza' e fomos embora.
Ao sair, Pequeno disse:
-Mãe! Tu percebeu que tu já é praticamente uma italiana?"
- "Oi?"
-Mãe! Há algum tempo se tudo que aconteceu agora tivesse acontecido tu teria te estressado muito. Agora tu nem falou nada. Já acostumou ..."
Sabe que tem sentido na observação dele?
Lembrei de logo quando fui morar em Roma, em 2009. Lembrei de todas as vezes em que me estressei e chorei de raiva (e/ou) impotência por todas as situações estressantes e sem sentido que vivi ali. Além da falta de tato das pessoas ... nossa! Foram períodos bem difíceis (*).
Realmente já não dou mais bola, acho graça e quando a situação exige, respondo à altura. Já não choro mais. No máximo, choro de rir.
Nada como um dia após o outro.
E Pequeno seguiu:
- "Nossa, mãe! Muito obrigada por ter me convidado pra vir contigo nos correios. Que experiência! Da próxima vez que precisar vir, me chama que venho contigo."
Nossa Senhora das Burocracias Italianas! Que eu nunca mais precise voltar por lá ... ou, ao menos, que demore outros 3 anos ... no mínimo! (Exagerados os arianos ... eu sei!)
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(*) se você não é um leitor antigo, tem um pouquinho da nossa vida em Roma (onde moramos de 2009 até 2012) clicando >>>> AQUI
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