¡Hola, Madrid!

    Semana passada precisei fazer um bate e volta na Espanha. A Europa tem dessas facilidades: em questão de poucas horas, basicamente o mesmo tempo de vôo entre Rio e Porto Alegre, a gente aterriza em outro país (no caso, foi o mesmo tempo de vôo entre Milão x Madri).

    Precisava de um documento da época em que morei na Espanha. Precisava dele 'pra ontem'. Tentei de todas as maneiras consegui-lo por aqui, mas não dava. Ao menos não com a pressa que necessitava. Fiz quinhentas ligações (tá bom! Foram só umas quatro) para o Consulado espanhol em Milão, mas eles não poderiam me ajudar. Aliás, foram super solícitos, me explicaram por telefone as opções que eu tinha e ainda me enviaram e-mail explicando tudo em detalhes. Eu poderia pedir o documento pelo correio mas levaria, como mínimo, uns 20 dias para recebê-lo. A outra opção seria pedir para alguém lá na Espanha retirá-lo para mim mas para isso precisaria primeiro de uma procuração,  precisaria de documentos com cópias autenticadas e demais burocracias que levariam algum tempo. Esquece.

    A minha primeira reação - como de costume - foi me desesperar. Logo, no segundo seguinte, me irritar. No terceiro segundo bateu a vontade de "desistir" do trâmite que precisava realizar e para o qual precisava do tal documento. No 5° segundo, respirei fundo, peguei o telefone e liguei pra Madri, para o departamento que emitiria o bendito papel.

    Óbvio que, como sempre, o primeiro número discado não funcionava. Respira fundo e paciência! Tenta outro! Uma funcionária muito atenciosa e simpática me atendeu. Expliquei minha situação (que morava fora da Espanha) e que precisava emitir o bendito documento com a máxima urgência. Ela me confirmou que ele ficava pronto na hora. O único é que precisava agendar o atendimento, mas isso poderia fazer online mesmo, onde poderia confirmar a disponibilidade de dias e horários.

    Então fui procurar passagem para a Espanha. Tive sorte e consegui um vôo com um preço justo, nuns horários mais ou menos convenientes (a ida era um pouco tarde) mas ... era o que tinha. A tela de pesquisa ao lado das passagens, abri no site onde precisava realizar o agendamento e confirmei a disponibilidade para o dia  da passagem. Primeiro agendei, depois confirmei a passagem e logo deu uma dorzinha no estômago.

    Engraçado foram minhas mensagens de Whats para o marido. Numa dizia basicamente "não deu certo, desisto" e logo a seguinte era "quarta vou pra Madri". Ainda bem que ele já me conhece.

    Mas antes de qualquer dor no estômago tomar conta do meu corpo por conta da viagem de última hora, precisava organizar algumas coisas. Em tempos remotos, a preocupação seria arrumar mala e pronto. Disso não precisaria nem me preocupar já que a ida e a volta seriam no mesmo dia mas,  por via das dúvidas, levei na bolsa uma pequena necessaire e uma troca de roupa. Seguro morreu de velho, vai que dá algum problema de atraso e cancelamento de vôo? Só quem já passou perrengue nos aeroportos da vida sabe da necessidade de uma calcinha e meia limpas. Ainda vivemos a "era Covid" e precisava preencher alguns formulários de entrada na Espanha e Itália além de imprimir meu Green Pass (tanto os formulários quanto o certificado de vacinação tinha no formato digital mas imprimi tudo também ... vai quê ...). Devo ter algum ascendente em virgem que explique tanta organização :)

    Organizei tudo entre segunda e terça, junto com meus documentos atuais e os da época em que morei na Espanha, mesmo estando todos vencidos achei melhor levá-los. Tudo preparado e organizado, na quarta cedinho marido me levou no aeroporto antes de ir para o trabalho e logo já estava embarcando para a Madri, solita, com dorzinha no estômago devido a incerteza de se daria tudo certo e também felicidade por estar voltando num lugar que é muito especial para mim.

    Se você é novo por aqui talvez não saiba mas morei 7 anos em Madri (aqui do lado, à direita, na seção "NOSSO PASSADO NÃO NOS CONDENA", se você clicar em "Nossa Vida na Espanha" abre uma lista de posts da época em que morávamos por lá.  Foi em Madri que conheci meu amore e foi em Madri que nosso Pequeno nasceu. Por esse e por tantos  outros motivos essa cidade é tão especial para mim. Madri ainda segue sendo minha cidade preferida e morro de vontade de morar lá novamente.

    Resolvi pegar um taxi direto do aeroporto para o centro. Busquei pelo Google uma agência bancária próxima ao local onde deveria retirar o documento porque, primeiro, antes de tudo, de qualquer outra coisa, precisaria pagar uma taxa. Uma mísera taxa de 3,86€ mas que me deu um trabalho danado.

    Fui matando a saudade das paisagens pela janela do taxi, feliz ouvindo o sotaque castellano da rádio e o ceceio do taxista.

    Desci feliz do taxi, o trajeto foi super rápido e parecia que tudo estava andando como o planejado. Até que a caixa do banco me diz:

    - "Você tem conta no banco? Nessa agência?"

    - "Não moça! Moro fora da Espanha, moro na Itália e meu banco é de lá."

    - "Ah ... então não vou poder aceitar o pagamento. Para quem não é cliente só posso aceitar o pagamento até às 11:00h".

    Eram exatamente 11:45h.

    Vendo minha cara de desespero, a moça me diz:

    - "Mas tenta aqui nessa agência vizinha, ali o pagamento pode ser realizado no caixa eletrônico mesmo, em qualquer horário."

    Beleza! Uns 30 passos depois, chego na agência bancária vizinha.

    Após uma pequena fila, chega  a minha vez no caixa eletrônico. Digito trocentos códigos até que aparece a opção para colocar o número da identidade espanhola. Eu ainda conservo a minha documentação de lá mas, óbvio, perderam a validade faz tempo. Tentei colocar meu número de passaporte mas ... deu erro novamente. Vou até o caixa físico da agência, peço encarecidamente que me ajude, explico que não moro mais na Espanha, meu documento espanhol não está mais válido (mostro o documento), argumento que só tenho o passaporte (que aliás é o documento que aparecerá no raio do papel que preciso retirar - e que pra isso preciso pagar a bendita taxa). A caixa me deixa explicar tudo isso pra logo me dizer:

    - "Você tem conta nesse banco? Nessa agência?"

    Só podia ser brincadeira ...

    Num tom já quase irritado, pergunto:

    - "Ok! Eu preciso pagar essa taxa porque tenho agendamento pra daqui a pouco. Não tenho conta em nenhum banco espanhol porque não moro mais aqui, meu banco é  italiano, vou pagar os 3,86€ em dinheiro ... o que eu faço pra pagar esse raio de taxa?"

    - "Tenta na agência que tá aqui do outro lado da praça. Lá você também pode pagar no caixa eletrônico mas acho que não precisa digitar número de documento".

    A dor no estômago voltou com tudo, já estava tremendo de raiva (na verdade acho que já era fome). Não era possível! Ia perder a viagem por conta de 3,86€ que eu não conseguia pagar de jeito nenhum.

    Fui direto no caixa eletrônico da terceira agência do dia. Nada. Resolvi entrar e tentar novamente no caixa físico. Uma fila do caramba. Vejo um moço sentado em uma mesa ao lado da fila do caixa e resolvo pedir informação. Repito todo aquele bla-bla-bla da minha situação, explico toda a minha atual vida e o que preciso fazer. Ele me diz:

    - "Olha! Acho que não vai dar. Mas pergunta ali pro meu colega do caixa."

    Volto pra fila que, aliás, tinha aumentado em duas pessoas. Rezei para que não chegasse mais ninguém porque queria ser a última da fila mesmo. Naquele dia o Universo tava conspirando contra (só podia ser!) porque peguei de tudo naquela fila: gente fazendo depósito com destinatário não encontrado, gente contratando lá sei eu que serviço do banco (que precisava ser feito no caixa, daqueles com várias etapas de confirmação de documentos e assinaturas), gente fazendo cambio de dinheiro de tudo quanto era país ... e um único caixa.

    E eu só mentalizando: "por favor, que não chegue mais ninguém!". Eu iria dar o espetáculo da minha vida e não queria plateia. 

    Realmente não chegou mais ninguém. O caixa me olhou aliviado, já que parecia ser a última cliente da sua jornada de trabalho. Mal sabia ele o que estava por vir:

    - "Bom dia, moço! Tudo bem? Preciso da sua ajuda, por favor! Não moro mais na Espanha, moro na Itália e daqui a pouco tenho agendamento para retirada de tal documento e preciso pagar essa taxa. Já fui em outras duas agências e não pude pagar, primeiro porque não! Não tenho conta em nenhum banco espanhol. Segundo, porque meu documento espanhol, esse aqui ó (mostrei o documento vencido pra ele), nao é mais válido, só tenho o meu passaporte (mostrei o passaporte), este que consta aqui no formulário ó (mostrei o formulário),  que é o que preciso para o certificado que vou pegar. Eu preciso resolver esse problema hoje, tenho vôo logo mais tarde para a Itália. Aqui está meu agendamento ó (mostrei o agendamento) e aqui está a minha passagem de mais tarde (mostrei a reserva do vôo). Preciso da sua ajuda, moço, por favor, você é minha última esperança.". E olhei pra ele com cara de Gato de Botas com os olhos cheios d'água (de verdade, estava quase chorando de desespero!).

    Ele me olhou com cara de 'ela só pode ser doida' e disse:

    - "Deixa eu ver o formulário ..."

    Entreguei o formulário tremendo. O moço olhou detalhe por detalhe. Vira a folha daqui, revira a folha de lá. Começou a digitar um monte de coisas, enquanto digitava me dava umas olhadas com cara de 'essa pessoa é bem estranha!', até que me disse:

    - "São 3,86€."

    Nossa Senhora das Causas Impossíveis, muito obrigada!

    Foi a vez em que mais fiquei feliz por pagar uma taxa, em toda a minha vida!

    O desespero deu lugar ao sorriso e o alívio foi tomando conta do meu ser. Se bobear, acho que até dei uns saltinhos de felicidade na frente do caixa.

    O moço sorriu (acho que confirmou sua suspeita!). Me entregou o formulário com o comprovante de pagamento e me disse naquele espanhol típico dos madrilenhos, do qual eu sinto tanta saudade:

    -"¡Venga! Tranquila. Ya está!"

    - "Moço! Muito obrigada, mas muito obrigada mesmo! O senhor salvou meu dia!"

    - "¡Venga! Tranquila! Adiós ... cuidate!" ... só faltou terminar com um "cuidate, ô sua doida!".

    Se algum dia voltar a morar na Espanha (quem sabe? A gente joga os desejos para o Universo e ele se encarrega ...), abro uma conta naquela agência.

    Super aliviada, saí então disposta a rever alguns lugares especiais (os que poderia ver naquela zona onde estava, já que logo tinha hora agendada).

Plaza Mayor


Puerta del Sol

    Almocei uma coisinha rápida numa rede de restaurantes (que mudou bastante desde a última vez que fui). Engraçado foi ver os olhares estranhos das pessoas me julgando porque estava almoçando no horário em que os espanhóis ainda estavam tomando café.

    Logo fui direto para o local do agendamento. Caminhei sem pressa, ainda refletia no meu corpo todo o estresse da parte da manhã. Fiz o trajeto todo rezando para que desse tudo certo. Vai saber o que o Universo tinha reservado pra mim? Sim. Sou desconfiada (e pessimista), fazer o quê?!

    Cheguei um pouco antes do horário agendado, perguntei se poderia entrar. A funcionária de segurança do local super simpática e atenciosa (eu tô acostumada com as burocracias italianas, ué! Estranho quando me tratam bem ... ) confirmou que poderia entrar e esperar sentadinha. Logo me chamaram e em menos de 10 minutos saí do local com o bendito documento em mãos. Quando o funcionário grampeou o comprovante de pagamento no meio de um monte de folha desordenada, morri de vontade de contar pra ele toda a minha saga pela manhã. Mas achei melhor ficar quieta.

    Me deu vontade de chorar de novo ... dessa vez de alívio. Me deu vontade de sair gritando pela rua, exclamar uns quantos "uhuuuullll's" ... ou melhor, como estava na Espanha, exclamar um monte de "¡Toma ya!" num tom bem alto. Mas achei melhor me conter. E resolvi sair caminhando meio sem rumo.

    Foi ali que senti a melhor sensação desses últimos tempos. De estar de volta naquele lugar que estava tão diferente mas que ao mesmo tempo me fazia sentir em casa. Matar saudade dos lugares que haviam ficado na minha memória e sobretudo reconhecer as mudanças.


    Não me importei da Puerta del Sol estar uma bagunça danada e cheia de obras ...


    Não me estressei com o vai e vem da Gran Via.


    Caminhei pra caramba, afinal, agora tinha tempo até o horário do vôo de retorno pra casa. Poderia sim ter ficado alguns dias por Madrid, mas precisava voltar logo com o documento. Assim que o bate e volta era necessário.

    Caminhei quilômetros e quilômetros, alongando meu retorno ao aeroporto. Parei para um café e carregar o celular. Resolvi voltar de metrô,  o que também rendeu um pequeno estresse já que uma das estações estava em obras e precisei sair do metrô, pegar um ônibus até a estação mais próxima pra, logo, seguir viagem de metrô novamente. Mas, como diz aquela música tão conhecida ultimamente: "o que é um arranhão pra quem já tá f*&^&% ?", de resolver pepinos, ao menos naquele dia, estava craque.

    Voltei pra casa tarde, exausta, com a sensação de dever cumprido, orgulhosa de mim, rindo do mico que paguei no banco, aliviada com o documento em mãos e já com frio na barriga pelos pepinos que vinham pela frente ...

    ... mas isso é papo pra outro post.

    


    ¡Gracias, Madrid! Toma ya!

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