Um ano de falta.

Me disseram que com o tempo a dor amenizaria. Que a tristeza daria lugar às boas lembranças e que essas sim me ajudariam a seguir adiante. Eu acreditei nisso. Talvez fosse minha única opção: acreditar que a dor, um dia, seria menor ou que eu aprenderia a conviver com ela.

Hoje faz um ano que meu pai partiu para algum lugar que eu ainda não sei decifrar. Um ano do dia mais triste de toda a minha vida. Um ano que fiquei sem chão, sem ar, que meu peito doeu como nunca, uma dor que eu nem sei (e nem precisa) explicar. Um ano da tristeza mais profunda, da raiva, do medo, da angústia e da pena.

Faz um ano que sei o que é conviver com a dor da falta. Com a saudade eu já convivia há muito tempo. Mas a falta é danada ... e que falta meu pai  me faz!

Não sei se por coincidência do destino ou não, esse não foi o meu melhor ano. Tantos problemas, tantas angústias, tantas raivas, tantas decepções. E em todos esses momentos que falta que ele me fez. Em todos e em cada um desses momentos me imaginei ligando para meu pai e escutando os conselhos que provavelmente me daria. Imaginei a expressão dele, me escutaria com calma e paciência, logo enrugaria a testa, levantaria a sobrancelha e me diria: "O Tatiana, tu precisa ter calma, minha filha!". E é bem nessa hora que a lágrima dá lugar ao sorriso. 

Também senti falta de ligar e mostrar uma nova paisagem, contar uma experiência nova, algum plano, falar alguma besteira. Sei que nessa hora ele esboçaria um sorriso e dependendo da besteira que eu falasse, sacudiria a cabeça resignado com a filha doida dele.

Mas nesse ano eu mais chorei do que sorri. Muitos choros escondidos, sufocados. À noite, quando o silêncio da casa predomina é quando eles se sentem mais a vontade para aparecer. Os mesmos choros noturnos de quando era pequena e tinha meus medos malucos. Medos malucos que com a idade a gente percebe que se tornam reais.

Um ano que vejo meu pai em todos os lugares. Vejo meu pai nos meus irmãos, nos meus sobrinhos, no meu filho. Vejo meu pai nos jogos de futebol que assisto, nos lugares que ele frequentava. Um ano que vejo meu pai todos os dias quando ligo pra minha mãe e ela está sentada no sofá azul que ele amava. Um ano que imagino o que ele falaria sobre política, sobre a guerra, sobre o calor, sobre o frio.

Eu ainda não consigo lidar direito com essa falta. Eu consigo falar sobre meu pai com muito orgulho e sorriso estampado no rosto, assim como ele queria sempre ser lembrado. Mas na hora que a garganta engasga e o peito dói, não tenho como controlar a dor que escorre pelos olhos em forma de tristeza. Faz 365 dias que me sinto triste.

Há um ano vejo fotos e vídeos no celular e escuto a última entrevista que ele deu na rádio da cidade. E a dedicatória que ele me fez nessa mesma rádio no meu último aniversário com ele. Tem vezes que faz bem, mas tem vezes que dói demais.

Às vezes ele aparece até sem eu querer. Outro dia, no centro, enquanto esperava uma amiga, estava de cabeça baixa olhando o celular quando passa diante de mim um pé igual ao dele, com a mesma unha feia, a mesma sandália. Levanto o olhar e o perfil era o de um senhor muito parecido com ele, a mesma carequinha, a mesma blusa em tom de azul, com uma bermuda jeans muito parecida com as que ele costumava usar, perninhas fininhas como as dele. Eu tive vontade de sair correndo pra dar um abraço. Mas não fui. Engasguei e agradeci por estar usando um óculos bem grande que ocultou a tristeza que escorreu, novamente,  pelo rosto.

Faço esforços tremendos para que prevaleça sempre as boas lembranças, as anedotas, até mesmo os momentos de artes e birras do nosso garoto. Lembro dele emburrado quando a gente discutia por sair na chuva ou no frio. Ou dele olhando pra minha mãe de canto de olho quando torrava a paciência dele. Dos choros que nos últimos anos  já nem fazia questão de ocultar. Dos sorrisos de felicidade e de orgulho. Das histórias que ele contava, todas exatamente iguais, no mesmo tom e com as mesmas pausas, não importava quantas vezes já as tivesse contado ...

Meu filho usa o mesmo perfume que ele. E assim como o vô, faz questão de tomar banho de perfume e deixa o cheiro exalando pela casa. Aliás, na blusa que trouxe dele ainda tem o cheirinho do meu velho. lá no meu armário e não faço a mínima questão de lavá-la.

Faz um ano que quero sonhar com meu pai, ao menos assim para vê-lo mais uma vez. Já sonhei com ele algumas vezes mas em todas apenas escuto sua voz. Numa das vezes ele me tocou, pegou no meu braço - senti o toque no sonho -  e me disse: "fecha os olhos e escuta". Eu obedeci. Fechei os olhos e escutei. Quando abri os olhos ele já não estava mais. Sacanagem, né pai?!

Me conforta a nossa última conversa, o sorridente e feliz que ele estava. E bonito. Ele estava com o mesmo pijama azul de sempre, mas estava mais bonito (e que velhinho bonito!), de barba feita, todo confiante e cheio de papo ao lado do meu irmão. Disse que estava com saudade do neto e eu disse que no  sábado o neto voltaria de viagem e eles se falariam. Meu pai pediu pra tirar uma foto antes de entrar para o bloco cirúrgico. Tirou uma foto sorridente, fazendo sinal de positivo.

Era assim que meu pai queria ser lembrado: sorridente, confiante, feliz. Porque ele sabia que sendo assim, estaríamos sorridentes, confiantes e felizes também. Era assim que ele gostaria de nos ver e era assim que gostaria de ser lembrado.

Por isso que sofro sim, choro, sinto saudade, sinto dor e sinto pena. Mas sempre vem em mente um momento feliz e faço questão de sorrir. Mesmo quando a tristeza escorre pelo rosto, com os olhos vermelhos e inchados, esboço um sorrisão lembrando de tantos momentos bons que ele me deixou.

Lembro dele nas festas da família, cantando no karaokê, dançando passinhos curtos (os que as perninhas ultimamente permitiam), do tom de voz alto, barulhento e chamativo, da felicidade dele em ver todo mundo reunido. Lembro dele cumprimentando todo mundo na rua (porque conhecia todo mundo). Das compras exageradas. Lembro dele sentado comendo melancia, comendo ameixas ... e as bananas? Essas sim não podiam faltar. Lembro dele acordando de madrugada para assistir lutas (e a indignação quando acabavam logo por nocaute!), da implicância com o time rival e dos olhos brilhando no estádio do seu (nosso) time do coração.

Quando a dor vai tomando conta é assim que vou alimentando a minha alma: com as boas lembranças que, felizmente, são muitas. Tantas lembranças recentes mas muitas vão saindo de caixinhas que estavam já escondidas. De repente elas aparecem e tudo fica mais calmo. 

aí outra lembrança: de repente. Foi ele quem me ensinou a escrever essa palavra. Era o nome de um dos  times de futebol  que ele jogou quando eu era criança. Um dia comentei que estava escrito errado na camiseta e ele me corrigiu: "Não mesmo, minha filha! De repente se escreve assim, separado.". Alguns dias depois a professora na escola perguntou como se escrevia de repente. Levantei a mão, fui até o quadro negro e escrevi. Muitos colegas riram, achando que tivesse escrito errado. Mas eu tinha certeza de que estava escrito certo. Meu pai me havia ensinado. E de repente senti um orgulho tremendo, de nós dois!

Tem dias que são mais difíceis do que outros. Hoje, por exemplo. 

Mas me disseram que com o tempo a dor amenizaria. Que a tristeza daria lugar às boas lembranças e que essas sim me ajudariam a seguir adiante. Eu ainda  espero ...


6 comentários:

  1. Também acredito minha irmã, que passaria. Mas a saudade cada vez vai aumentando mais. Sinto a mesma dor que eu sentes. Mas o mais importante e sentirmos o amor uns pelos outros que ele nos ensinou a sentir. Te amo.

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  2. Oi!
    Nossa, transcrevesse tudo, e é exatamente assim.
    Mas a Vida, essa coisa maluca, nos faz ser aquilo que acumulamos. O Pai foi um ser humano de bom com coração e seus defeitos são iguais aos nossos, pois assim nos criou, mas o melhor dele é nos ter feito muito mais que irmãos, nos fez amigos e nos amamos. Tenho certeza que isso lhe deixa feliz. Hoje um ano, daqui a pouco dois, em alguns momentos lembranças mais fortes, outros menos, e assim iremos vivendo, sempre com boas lembranças e bons ensinamentos. Amo vocês e continuamos cuidando de nossa Veínha.
    Renato Fraga
    OIM OMB

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  3. Oi Tati !! Um abraço apertado ! Sabe a mim também disseram quando eu perdi a minha vó (como uma segunda mãe) que com o passar do tempo a falta e a dor daria passo a saudade nas lembranças felizes. Mas eu acho que na verdade o que acontece eh que aprendemos a conviver com a falta, a gente ri e eh feliz e vive a vida, mas a falta segue lá, só que sabemos conviver com ela. Fazem 9 anos que ela faleceu, e eu ainda me lembro dela muitas vezes, as vezes dependendo do momento ainda choro a sua falta, e não eh necessariamente ruim, sinal de que ela amou, foi amada e ainda vai comigo pelo mundo. Eu não acredito em céu e mais além, mas o que eu sei eh que o legado que ela deixou ainda vive nas ações de todas as pessoas que ela deixou marca. Pelo menos em tudo que ela me ensinou e eu tento levar adiante. O meu mundo eh diferente sem ela, mais vazio, mas ainda feliz. E a última lição que ela me deu e segue dando eh que a falta te ensina também a valorizar mais o que ainda está, e que em parte nunca parte totalmente, o que nos deram em vida segue com a gente para sempre. Força e beijão !

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  4. O tempo passa voando né?E a saudade só aumenta... Já fazem 5 anos que meu pai morreu e eu assim como tu ainda choro escondida😢😢😢O que nos resta é acreditar no reencontro e lembrar dos momentos bons que vivemos ao lado deles!!Fica bem minha amada❤️🥰😘

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  5. Oi Tati tem um montão de coisas para se lembrar e sentir saudade mas eu sempre vou lembrar de quando chegava novembro ele me chegava e dizia… nega porque era assim que ela me chamava … o que vamos fazer para presentear as enfermeiras este ano e logo dizia vou deixar por tua conta vê e depois me mostra se eu vou gostar, ele era um dos meus incentivadores para fazer bonecas, ele adorava todas ☺️ Olha que a gente se descordava mas eu sabia que podia falar o que pensava e muitas vezes sei que ficamos chateados um com o outro mas o carinho fraterno entre nós sempre vencia… Um beijo grande no teu coração

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  6. Obrigada, de coração, pelos comentários. Alguns "anonimos" consegui decifrar :) Bjos nossos!

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