Minha vizinha (a casa dela é do ladinho da minha), faleceu quando eu estava no Brasil. Uma senhorinha que não chegou a completar 87 anos pois faleceu algumas semanas antes do aniversário.
Eu fiquei sabendo desta triste notícia alguns dias após voltar do Brasil. Não pelos meus Nicola's mas por uma outra vizinha.
A senhorinha faleceu em casa. O velório foi realizado em casa também. E meus Nicola's não perceberam absolutamente nada. Nem barulho estranho, movimentação estranha, entra e sai de vizinhos ... nada de nada. Não fizeram uma 'bella figura', como se diz por aqui.
Logo que fiquei sabendo fui prestar minhas condolências ao meu vizinho, filho dela, que mora aqui também (moravam somente os dois). Percebi que ele estava no quintal, meio cabisbaixo. Saí propositalmente no quintal também. Pedi desculpas pela demora em prestar nossas condolências. Expliquei que estava fora e que meus Nicola's também não ficaram sabendo de nada. Ele entendeu perfeitamente, agradeceu. Marido chegou logo em seguida. Ficamos conversando um bom tempo.
Desde dezembro não encontrava mais com minha vizinha. Sabia que estava doentinha porque a moça que fazia limpeza em sua casa nos contou. De vez em quando cruzávamos com o seu filho, mas não falávamos nada além de "bom dia". E no inverno a gente quase não encontra com os vizinhos ... fica todo mundo enfurnado dentro de casa.
A verdade é que eu não tinha muita intimidade com a sra. Giulia. Nos encontrávamos algumas vezes no quintal de casa ou nas reuniões de condomínio. Ela me lembrava um pouco a minha sogra. Talvez fosse o penteado ...
Eu achava muito engraçado que cada vez que a encontrava e dizia "Buongiorno!", ela sorria e logo me respondia:
- "Buongiorno, Signora!".
Uma senhorinha de quase noventa anos me chamando de "senhora" ... aqui na Itália é assim. Eu desde muito cedo passei a ser chamada de "signora". Bastava o povo saber que era casada e pronto (e olha que a primeira vez que morei na Itália, em Roma, tinha 30 anos). Agora já nem dou mais bola (porque sou uma "senhora" mesmo) mas quando mais jovem, ser chamada de "senhora" era muito estranho.
Senhora Giulia faleceu em fevereiro. Mas ultimamente eu tenho lembrado e pensado nela quase todos os dias.
Por essas bandas de cá iniciou-se a primavera, felizmente! Minha estação do ano favorita, apesar de sofrer com minhas alergias à plantas e pólen.
Meu jardim tá ficando verdinho novamente, algumas flores já começam a brotar. As que estavam secas começam a ganhar vida. Minha azaleia está cheia de botõezinhos novamente. Meu jardim está ficando colorido.
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minha azaleia na primavera passada |
E o da Sra. Giulia também ...
No jardim dela tem pés de camelia que desabrocharam lindamente. Tem camelias brancas, rosas ... uma delas, inclusive, fez questão de nascer virada para o meu jardim, bem do ladinho da minha caixa de correspondência. Todo dia de manhã, quando abro a janela, lá está a camelia da sra. Giulia pra me dar bom dia.
As roseiras dela estão cheias de botõezinhos. E tem um vaso lindo na porta de entrada, com uma flor lilás que eu nem sei qual é o nome mas que é tão bonita mas tão bonita que eu passo bons segundos parada na janela apreciando.
Também tem uma árvore muito bonita, que eu amo de paixão, porque a maior parte dela está pros lados da minha casa. Dá um toque especial na vista que tenho na janela da sala.
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a árvore de folhas vermelhas |
As flores estão ali, lindas, renascendo, florescendo e embelezando o jardim. Mas a senhora Giulia não está mais lá.
A beleza e a tristeza da vida, atuando juntas em uma mesma cena ...
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Quando Vier a Primavera
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
(Poemas Inconjuntos, heterónimo de Fernando Pessoa)
Que lindo Tati🌸
ResponderExcluirE meus sentimentos pela vizinha
Que dualidade de sentimentos esse episódio do Blog me despertou!
ResponderExcluirComo é forte ler tudo que você expressa (e lá vem a história do livro na minha cabeça! )
Eu amo ler seus escritos. Eles me despertam sentimentos, me fazem refletir, fazem passar filmes diante dos meus olhos, me deixam de nariz vermelho e entupido e com olhos inchados ahahah mesmo assim, eu amo e quase não consigo sair dele, quando entro.
Com certeza, sua vizinha recebeu esse recado!
Pense nela admire o jardim dela com esse seu cuidado genuíno e observador das coisas! Vem daí os olhinhos curiosos para o mundo do amado Pequeno (e o filme agora e dele querendo abraçar um sem teto 🥰🥹🥰 eu não esqueço esse POST e vejo as cenas, acredita?)
Faça uma prece, conversem com o filho, sempre que puderem. Ela deve estar grata com a atitude de vocês, por isso tem pensado muito nela.🥰🥰
Minha mãe é amada pelos vizinhos e tem um jardim que todos amam. Isso mexe comigo
O poema foi de lavar a alma 😍🥹🥹.
Siga admirando as flores no jardim e seja sempre muito feliz com Seus Nicolas, Bella Amica 🙌🏼❤️❤️❤️