Quando um 'Papo Furado' te Leva à uma História Incrível.

    Durante três meses fiz um curso (que acabou na semana passada) em um lugar bem interessante de Monza.

    No mesmo local, além de uma igrejinha histórica e bem bonitinha, haviam algumas associações (uma delas a que promoveu meu curso), um restaurante também histórico da cidade (e bom por sinal, algumas vezes almocei lá com minhas colegas de curso) e funciona ali também uma residência piloto para idosos. 

    Um tipo de estrutura bastante recente, administrada por um grupo que cuida de outros tipos de estruturas para idosos da região. O diferencial desta é que eles alugam quartos e/ou apartamentos de 1 ou até dois dormitórios, onde os idosos vivem em autonomia e são apenas monitorados pelos funcionários. Ou seja, eles moram na "casa" deles, cujos vizinhos são outros idosos e possuem toda uma estrutura e atenção: fazem atividades físicas, tem cuidados médicos, até mesmo o próprio restaurante (que comentei antes) tem convênio com a estrutura. Além de estar localizada num ambiente acolhedor, histórico e bonito, em pleno centro de Monza. Óbvio que sendo uma estrutura piloto as vagas são limitadas e a verdade é que ainda não entendi muito bem quanto custa e quem tem direito (e acesso).

    Pois bem ...

    Durante nossas entradas/saídas e intervalos do curso, cruzávamos vez que outra com alguns idosos residentes. Uns mais simpáticos e sorridentes, outros mais introvertidos.

    Uma senhorinha, em especial, sempre me chamou a atenção.

    A primeira vez que a vi, lembro perfeitamente, abriu-se a porta da residência e saiu de lá uma idosa meio emburrada, parecia braba e logo começou a brigar com as pombas que se abrigavam no pátio. Saiu resmungando tanto que nem demos muito papo para ela. Era tanta raiva que se ela pudesse teria matado pomba por pomba. Pobres animais!

    Alguns dias depois, um pouco antes de entrarmos para o curso, cruzamos com a senhorinha novamente. Desta vez o semblante estava mais sereno. Ela estava muito bem vestida, com um vestido de crochê, grudado no corpo, deixando aparente a corcundinha e o físico um pouco rechonchudo. Sandália combinando com a bolsa, unhas dos pés bem pintadas, cabelos branquinhos, lisos, na altura dos ombros bem penteados. Sorridente, comentou conosco que estava saindo para beber um cappuccino no bar. Eu acho o máximo essa tradição italiana de "tomar café no bar". Faça chuva ou faça sol, as pernas acompanhem ou não, os italianos não abrem mão da "colazione al bar" (lembrei da minha vizinha, outra senhorinha idosa, que sai de bengala todos os dias para tomar café fora).

    Outra vez, durante nosso intervalo, cruzamos com a senhorinha novamente. Estava saindo com um carrinho de compras e nos contou que iria ao supermercado comprar "algumas coisinhas". Estava indo cedo porque o sol estava forte e queria voltar logo pra casa para fugir do calor.

    Muito sorridente e simpática, entre uma risada e outra dava para perceber alguns dentes tortos e outros que faltavam.

    No nosso último dia de curso a professora adiantou o nosso intervalo. Ironia do destino ou não, logo quando saímos para o pátio cruzamos com a senhorinha. Novamente bem arrumada comentou conosco que estava indo passear no centro. Uma das minhas colegas brincou, então:

    - "Assim bonita, quem sabe arruma um namorado, uma companhia?"

    No mesmo instante enrugou a testa e além de pronunciar um belo não, como autêntica italiana fez gesto negativo com as mãos.

    - "Não, não quero namorado, não. Eu só tive um amor na minha vida, que durou 54 anos, até quando ele morreu."

    A outra colega perguntou:

    - "54 anos? Uau! Qual é o segredo, nonna, para permanecer tanto tempo assim juntos?" (automaticamente lembrei dos meus pais, que ficaram juntos mais de 60).

    Ela sorriu e respondeu:

    - "O segredo é que ele era atleta e viajava muito ... estava sempre fora ...", sorriu.

    - "Atleta, nonna? Então deveria ser forte, bonitão ... que esporte ele fazia?"

    Foi então que descobrimos que aquela senhorinha pequenina e tagarela, simpática e por vezes carrancuda, era a viúva de uma das maiores lendas da esgrima italiana. Medalha de ouro em olimpíadas e campeonatos mundiais.

    Perguntamos o nome e fomos, óbvio, pesquisar no Google.

    A senhorinha, bem entusiasmada, disse:

    - "Pesquisa, pesquisa que tem ele até no Wikipedia. Eu não entendo nada dessas coisas, mas meus netos me falaram."

    Então encontramos o seu marido. Ao abrir as imagens, a senhorinha, com um olhar cheio de amor e saudade, disse:

    - "É esse mesmo! É ele! Tão bonito que era meu Dario!"

    Descobrimos que o seu Dario ganhou medalha de ouro nas Olimpíadas de Londres 48 e Helsinki 52, foi  Campeão Mundial 1937, bronze em 38 e 47, ouro em 49/50, prata em 51 e ouro em 53. Pertencente a uma família de tradição na esgrima, quando parou de competir dedicou uma vida inteira ao esporte. Vieram morar aqui nesta zona porque a Federação Italiana de Esgrima abriu uma escola aqui perto e ele veio ser o responsável pela escola.

    Alternávamos nossos olhares entre o Google e a senhorinha, encantadas com toda aquela história.

    Tivemos que nos despedir, ainda cheias de curiosidade, mas nossa prova final do curso começaria em breve.

    - "Ciao, nonna, agora temos que ir. Mas antes de irmos, só por curiosidade mesmo, desculpe a pergunta, quantos anos a senhora tem?"

    Ela sorriu e muito orgulhosa, nos respondeu:

    - "93 ..."

    E saiu sorridente para o seu passeio matutino.

  Agora me diz, como se concentrar para uma prova depois de absorver tanta história de vida interessantíssima?

6 comentários:

  1. Uauuuuuuu!!! 🥰🥰🥰

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  2. Achei fantástica essa história.

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  3. Que belo!
    Lembra a história de um senhor de Osório, que dedixou sua Vida ao Esporte. A Vida é cheia de exemplos.
    Renato Fraga
    OIM - OMB

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  4. Que máximo prima!! Adoro histórias assim!! Obrigado por compartilhar!!

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  5. Eu jurava que já havia comentado essa postagem. Se não o fiz rsrsr a li em horário que não poderia fazê-lo 🫣
    É mais uma de suas histórias apaixonantes. (Os:pública o livro rsrsr)

    Eu fiquei por muito tempo, me perguntando se teria encontrado com ela novamente. Doida do jeito que sou, iria dar plantão no lugar onde toma café ahahaha só para ouvir as histórias dela. Meu Deus! 93 anos! Que bênção. Fiquei tentando visualizar a senhorinha. Nos primeiros relatos já fiquei imaginando heheh só os cabelos não condiziam com o que eu imaginava heheh Amei e também fui procurar saber mais do Dário, no Google, na época que li heheh
    Rose Mazza

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