Uma experiência "straziante".

    Minha viagem de volta para a casa foi estressante, cansativa e quase eterna.

    O estresse já começou no Brasil, no aeroporto em Porto Alegre. Ao embarcar o atendente da Gol disse que eu seria obrigada ( aí uma palavra que nenhuma ariana gosta de ouvir)  a despachar minha mala de mão, por motivo de falta de espaço na aeronave. Tentei explicar pra ele que naquela mala de mão, além de objetos bem pessoais que não quis despachar na mala de bordo, estava organizada toda a minha vestimenta para minhas conexões. Expliquei muito simpaticamente (ao menos tentei) que estava saindo daquele calorão mas iria para um super frio europeu. Ou seja, dentro daquela mala havia casaco, blusões, meia extra, etc. Na minha bolsa era simplesmente impossível organizar tudo aquilo.

    O moço com cara de poucos amigos simplesmente não fez nem questão de dizer "entendo, senhora, mas não tem jeito". Com um tom bem arrogante, disse: "coloque-se aqui ao lado pois teremos que despachar sua mala".

    Fiquei no cantinho resmungando e percebi que as pessoas foram passando ... com suas respectivas bagagens de mão.

    - "Moço! Por que não tem lugar pra minha mala mas tem pra mala deles?"

    - "Porque a senhora é do grupo 4."

    - "Moço! E eu lá sei de grupo, moço! Comprei minha passagem com a ITA, nem escolhi nada disso. É uma passagem de conexão, vocês precisam estar mais atentos com os passageiros de conexão. Como vou saber que sou do último grupo e tenho que esperar todo mundo passar?"

    Ele me olha com uma cara de total antipatia e responde:

    - "A senhora não é do último grupo ... o último grupo é o 5".

    Acontece que ninguém mais foi barrado. Somente eu e um outro passageiro que tinha conexão em Miami.

   Eu não sei qual era o seu destino final mas o coitado também ficou argumentando com o moço que precisava da mala, porque tinha roupas que iria usar no decorrer da viagem, etc ... mas nada.

    Pra resumir o estresse e o ódio ... quando o atendente foi fazer o ticket para faturar a mala do moço que iria para Miami e a minha - nessa altura eu já tinha tirado da mala casaco, blusão, camiseta, meia e até calcinha extra (que amontoei esses dois últimos itens na bolsa) - o atendente olha pra colega e diz:

    - "Não consigo fazer as etiquetas das conexões!"

    A moça sacudiu os ombros em sinal de 'o problema é teu' e seguiu controlando os tickets de embarque.

    Esse menino nos olhou com uma cara de raiva e se limitou a dizer:

    - "Passem ... com as malas"

    Eu e o moço que iria para Miami nos olhamos. Não sabíamos se ríamos ou resmungávamos.

    O fato é que chegamos na aeronave (faltávamos somente eu e ele) e estava cheio de lugar para as bagagens. Juro que fiquei com vontade de voltar lá, pegar aquele moço pelas orelhas (sim, eu sou violenta!) e fazê-lo ver o tanto de lugar vago que ainda tinha ... e por pirraça (ou falta de informação) ele iria complicar a nossa vida.

    Ainda deu tempo de botar de volta na mala todas as roupas e muito discretamente tirar meia, calcinha e itens de higiene que estorricavam a minha bolsa. Ufa!

    Cheguei em SP no tempo justo para, com calma, seguir até meu novo portão de embarque para o próximo vôo: SP x Roma.

    Tive tanta sorte que até consegui carona nuns carrinhos (tipo aqueles de golf) que o pessoal do aeroporto colocou por lá para facilitar a vida dos passageiros em conexão. Até estranhei quando o moço disse:

    -"Pode subir aqui que levamos até a zona de embarque internacional!"

    - "Sério? Eba!"

    Logo subiram mais passageiros (os carrinhos são longos, dá para uns quantos irem sentados com suas malas), funcionários do aeroporto também pegaram carona.

    Cheguei no meu portão e já estava se formando uma fila para embarque. Deu tempo de ir ao banheiro, deixar a mão as roupas que trocaria durante a viagem e logo segui pra fila também. É engraçado que dá pra perceber muito bem quem são os italianos na fila: aqueles que a tentam furar :)

    Meu assento era, nada mais nada menos, que o último da aeronave (sim, aquele bem ruim, grudado no banheiro e nem reclina direito): 58J - anota aí pra você nunca escolhê-lo (eu não escolhi, foi aleatorio quando fiz o check-in).

    Fiquei uns bons minutos com a doce ilusão de que estaria solita na minha fileira (a disposição dos assentos era no layout 3-3-3). Mas logo, para minha infelicidade, chegou um casal de italianos. A mulher, com um tom de voz muito chato, me olha com sorrisinho amarelo e diz: "nós estamos aqui também, com licença!" (meu assento era no corredor).

    - "Buonasera, prego!",  respondo muito educadamente, mas meu cérebro que pensava ("putaqueopariu,  vou sentada com essa chata!").

    O avião pouco a pouco vai enchendo. Na fileira do lado, na parte central da aeronave, chegam 3 amigos, meninos jovens, brasileiros, que sentam juntos.

    Na fileira em frente da minha, os 3 lugares estavam vazios. Um dos meninos, meu colega de corredor, coloca a mochila dele no assento logo em frente ao meu, como querendo "reservar o lugar".

    Fico de olho para perceber se existe mais algum lugar vazio ou ao menos com um pouco mais de espaço (e uma poltrona que recline decentemente).

    Levanto, me dirijo a um comissário de bordo super simpático que estava ali por perto e pergunto se ele sabia se haveria algum assento livre e mais cômodo do que aquele meu. Ele sorri, discretamente aponta com os olhos para o assento logo em frente ao meu e diz:

    - "Aquele que você está vendo ... eu acho."

    Eu acho não era uma certeza mas era uma possibilidade.

    Voltei pro meu assento e disse para minha vizinha de tom de voz chato:

    - "Acho que esse assento aqui vai estar vazio ... vocês estão em dois, querem ir pra lá? Eu me viro com essa poltrona que nao reclina."

    A mulher sorri e diz:

    - "Não ... vai você, aproveita!", como quem diz "vaza logo!"

    No mesmo instante que levanto, o menino que já havia marcado território levanta também. Digo:

    - "Ops! Com licença! Vou ali pra janela."

    Ele pergunta em inglês:

    - "Mas aquele é seu assento?"

    Não sei por que até o momento ele estava falando num paulista bem marcado com os amigos e logo comigo veio no speak English sendo que acabara de falar com ele em português. Me limito a responder:

    -  "Aham!" ... e dei o sorriso mais falso desse mundo.

    Ele sabia que não era o meu assento ... mas também não era o dele, ora bolas!

    O danado ainda deixou a mochila no assento ao lado por alguns minutos.

    Novamente me dirigi aos meus ex companheiros de fileira e perguntei:

    - "Tem certeza que vocês não querem vir aqui? Pra vocês que estão em dois será mais  cômodo ..."

    A mulher agradeceu novamente mas disse que estavam bem ali. Chegou pertinho de mim, sorriu e disse:

    - "Sei stata molto brava!" ... (Você foi muito boa ... ardilosamente falando ...)

    Pra não fazer questão de cruzar olhar com o menino, que deveria estar me odiando, virei pro lado da janela e fiquei apreciando a paisagem do aeroporto: os aviões que se movimentavam, o pessoal de terra carregando coisas,  controlando outras ... bons minutos se passaram.

    Até que o comissário de bordo (aquele simpático que falei antes) trouxe uma companheira de assento pra mim. Eu fiquei na janela e ela no corredor. Sorrimos, nos cumprimentamos, perguntei se teria problema em deixar minha bolsa no chão do assento do meio (que estava vazio). Ela disse que não. Ok. Talvez o menino tenha pensado: "bem feito pra ela!" ... mas a verdade é que entre a senhora do tom de voz chato (que seguia perturbando, já que estava atrás de mim) e o menino metido a expert, preferia minha simpática nova vizinha de fileira.

    Logo entregaram fones de ouvido que não serviram de nada. Meu fone não era compatível com o media do aereo. Depois da janta pedi se tinham outro fone, já que o meu apresentava problema. Logo descobri que era o meu e todos os outros: não encaixavam direito, dava mau contato, saía um som bem ruim.

    Mentalizei, então, que deveria dormir todo o vôo. Afinal, não tinha mais nada pra fazer. Enquanto as luzes do avião permaneceram acesas, ainda consegui ler um pouco. Mas logo após retirarem a janta, quando mandam baixar as janelas e apagar todas as luzes, prefiri tentar dormir.

    E a verdade é que dormi mesmo. Só acordei lá pelo meio da viagem, durante uma turbulência bem forte, com minha ex vizinha de assento com tom de voz chato, literalmente gritando:

    - "Virgem Santa! Nossa Senhora! Meu Deus!".

    Foi uma turbulência realmente muito forte ... talvez a mais forte que já tenha vivido. Também pensei que iríamos morrer ... na verdade acho que me assustei com os gritos da mulher. Mas logo caí no sono novamente. Se é pra morrer, que seja dormindo.

    Acordei e olhei no monitor: faltava 1h e 59min para nossa chegada. Até coloquei os óculos para me certificar de que estava vendo bem. Parece até brincadeirinha boba o que vou dizer, mas o tempo passou voando ... Piadinha sem graça ... eu sei! 

    Serviram o café da manhã e logo aterrissamos. Foi então que me dei conta de que nosso vôo havia durado mais de 12 horas. A viagem mais longa entre Brasil x Itália que já fiz na vida. Não entendi muito bem. Só entendi que perderia meu vôo de Roma para Milão. Meu horário de embarque era às 12:30 e eram exatamente 12:15 e ainda estava dentro do avião.

    Foi então que escutei novamente a voz chata da italiana que estava sentada atrás.

    - "Quer saber, estou cansada de ti, não te suporto mais ... sono (estou) straziata!"

    Do nada uma briga de casal dentro do avião  ...

    -"Eita! Essa é uma palavra que não conheço", pensei. E fiquei mentalizando "straziata, straziata, straziata" para não esquecer e logo pesquisar o significado.

    Como se tivesse lido os meus pensamentos, o homem pegou o telefone, abriu o navegador de internet, colocou a palavra straziante no Google e buscou o significado. Leu em voz alta:

    - "Causa feridas, lesões, mutilações e coisas semelhantes, não apenas terrivelmente dolorosas, mas também prejudiciais à dignidade humana (...) [suspiro] Atormenta moralmente, afligi profundamente (...) [fungada] causa dor física violenta ou sofrimento moral agudo,  dor agonizante e que provocam em quem os ouve uma dolorosa participação no sofrimento."

    Silêncio ...

    A mulher resolve virar pro lado da janela, enfiando o rosto naquela paisagem de aeroporto (na verdade acho que ela queria desaparecer) ... o homem a olha e diz:

    - "Straziante ... é uma palavra forte, hein?! Muito forte ...", disse ele com tom de decepção.

    Nessas alturas até esqueci que perderia meu vôo e fiquei pensando ... não sei se eles estão no início ou no final da viagem mas o fato é que o clima ficou muito ruim.

    Fiquei até com vergonha de me despedir deles.

    Saí correndo do avião e, no meio do caminho, encontrei um pessoal da ITA com um cartaz: "Passageiros conexão Milão Malpensa". Estavam nos aguardando ali com nossos novos cartões de embarque. Como previsto, havíamos perdido o vôo. Por sorte o próximo era pra dali a meia hora.

    Deu tempo de ir correndo ao banheiro e logo já embarquei no meu tão esperado último vôo.

    Eu não sei se é a idade mas o fato é que tem sido cada vez mais complicado viajar nesses vôos longos. Apesar de ter dormido praticamente toda a viagem, estava exausta.

    Me acomodei no meu assento (na janela) quando, de repente, passam por mim os três meninos brasileiros do vôo anterior. O espertinho que botou a mochila pra guardar lugar me viu e sorriu. Sorri pra ele de volta.  Acho que fizemos as pazes ...

    Cheguei em Milão, finalmente! Minha mala demorou pra chegar. Logo que a peguei, na saída, fui parada pelos policiais da aduana. Um policial me fez algumas perguntas e logo me liberou, sem nem sequer ver a bagagem.

    Ao abrir a porta da saída, estava ali o rostinho que eu tanto desejava encontrar: do meu Amore!

    Mal sabia ele que estava cheia de história pra contar ... e uma nova palavra em italiano que - espero - jamais usar.


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Segundo o tradutor, o significado de straziante é de partir o coracao, muito doloroso, excruciante, agudo, insuportável, muito triste, atroz, doloroso, lamentável, horrível, atormentador, terrível


2 comentários:

  1. Eita….e concordo contigo: nenhuma ariana gosta da palavra “obrigada”, no sentido de obrigação 🤪

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  2. Mas o melhor foi antes, estar com a gente, aqui no Brasil.
    Renato OIM - OMB

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