6 anos no Rio.

Pois é. Viemos para passar três, no máximo 5 anos na Cidade Maravilhosa (ao menos essa era nossa expectativa) e cá estamos. Já completamos uma mão cheia e  partimos para completar a segunda. Coisas da vida e de suas surpresas.

Dessas coincidências (que pra mim são interessantes, mas pra você pode significar nada), chegamos bem no dia do aniversário da cidade. Hoje a cidade do Rio de Janeiro está completando 453 anos.

Seguimos (sigo) numa relação de amor e ódio. E bem da verdade, atualmente sinto que tenho mais motivos para sair correndo do que pra ficar.

Não é um depoimento catastrófico e muito menos exagerado, mas está bem difícil morar aqui. Motivos não faltam, mas o que mais tem me impactado é a violência no seu apogeu - quando chegamos há 6 anos, a cidade vivia o "boom" econômico (que agora virou foi uma bomba mesmo!), com super investimentos para as infraestruturas de todos os eventos que estavam por acontecer e o mundo inteiro de olho aqui. 

Saíamos na rua e nos sentíamos seguros. Sempre soube da "fama" do Rio de Janeiro de ser uma cidade violenta, perigosa, etc. Lembro de quando era pequena e desde minha casa lá no Sul, assistíamos pela tv a violência absurda que assolou a cidade, no final dos anos 80, início da década de 90. Mas aquilo ficou pra trás e a nossa realidade  foi bem satisfatória. Uma falsa ilusão, hoje eu sei.

Nossa realidade atual  é de roubos, assaltos, policiais sendo assassinados a sangue frio, inocentes morrendo por balas perdidas, tiros, muitos tiros e, quem pode, está saindo em disparada. Sexta-feira passada foi outro inferno. No final da tarde, desde casa, ouvi muitos disparos. Saí para buscar Pequeno na escola e, pela primeira vez, desde a rua, escutei mais tiros. Me impactou a passividade de algumas pessoas. Muitas, como eu, aceleraram o passo. Outras, porém, se limitaram a olhar pro morro de onde possivelmente vinham os disparos e seguiram igual, caminhando com o cachorro, outro parado na frente do bar. E isso é bem triste: significa que não assusta mais.

Na madrugada de sexta para sábado, acordei novamente com barulhos horrorosos. Tiros novamente. Aquele momento de acordar no susto, se dar por conta do que está acontecendo, todos meus órgãos internos ficam tensos, o coração dispara. Apesar da intensidade de alguns barulhos estranhos (que depois pelas notícias fiquei sabendo que era barulho de granada - granada!), dessa vez não levantei da cama e corri para  cozinha. Fiquei na cama rezando  pelas pessoas que moram na comunidade e tem que conviver com isso na porta de casa. 

Não consegui dormir mais. Acordei em pleno sábado às 5 da matina e fiquei perambulando pela casa feito um zumbi. Agradecendo por Pequeno, desta vez, não ter escutado. O barulho do ar condicionado o salvou de viver mais um momento tenso.

Também poderia reclamar dos caos da cidade como um todo: fios soltos pela rua, buracos aparecendo feito plantação, a cidade inundando na primeira chuva forte. E sempre agradeço que na maioria das vezes estou em casa quando isso acontece. Na última inundação da semana passada, assistimos desde nossa janela sacos de lixo e sujeiras mil boiando pelas ruas. Tudo misturado com uma água podre de esgoto, fedida e cheia de doenças. Praticamente todas as ruas daqui do nosso bairro e de outros bairros também alagaram. Esperar o que de uma cidade que não investe em saneamento básico? O lixo que boiou naquele dia estava há quase dois dias na rua esperando para ser coletado.

Bom, nem vamos falar de política, políticos, politicagem e corrupção. Tocamos no fundo do poço. Uma vergonha o que fizeram com esta cidade. E, o pior: não vejo perspectiva de mudança.

Não gosto mais de caminhar pela Praia de Botafogo/Aterro do Flamengo. Da última vez que acordamos cedo e saímos para correr, foi quase insuportável aguentar o fedor de esgoto que vinha da Baía de Guanabara (aliás, assim que chegamos havia um super projeto de despoluição do local que, pra variar, ficou apenas no papel e 6 anos depois vamos de mal a pior).

Quase não vamos mais para Copacabana ou Ipanema. O pôr-do-sol desde o Arpoador já não tem mais graça.

Carnaval virou motivo para querer sair correndo da cidade. Tivemos a infeliz ideia de sair para jantar bem na hora que estava passando o bloco do nosso bairro. Foi difícil passar entre os foliões bêbados e as poças de xixi pela rua.  Por vários dias o cheiro de mijo ficou impregnado pelas calçadas.

Também já não me emociona mais cruzar olhares com a estátua do Cristo Redentor. Antes, o via com uma certa nostalgia antecipada e sempre pensava "que saudade sentirei de ti no dia em que eu partir". Agora já quase nem o olho e, quando o vejo, penso sempre o mesmo: "sacanagem, né?!". Perdi o encanto. E quando as pessoas me perguntam: "o que vocês ainda estão fazendo aí?", sempre dou a mesma resposta: "também queria saber".

Mas nem tudo são aspectos negativos, vamos combinar! Vendo a Europa debaixo de neve, agradeço por estar aqui, quase o ano inteiro de bermuda e camiseta - detesto frio e morar na Cidade Maravilhosa, no País Tropical tem seu valor.

É uma cidade realmente bonita por natureza, com uma geografia peculiar.

Amo essa coisa de sair na rua e cumprimentar 500 pessoas conhecidas que encontramos por aí. Bater papo com as vizinhas, gente que nem sabemos o nome umas das outras, mas temos sempre histórias e assuntos para compartilhar. Esse calor humano e essa simpatia espontânea não existia nos países da Europa aonde morei.

Nessa semana, depois de 6 anos aqui, pela primeira vez meus "meninos" descobriram o gosto do açaí. Se deliciaram num copinho com a fruta, se apaixonaram ... ta aí outro motivo para seguir aqui: o açaí.

Amo a minha liberdade de me virar sozinha, não precisar da ajuda do marido para traduzir nada, me levar a lugar algum. Se ele precisa viajar não fico tensa porque sei que vou dar conta do recado. Canso só de pensar nas vezes que deixei de fazer algo porque não sabia me expressar direito ou das vezes que fiquei louca de vontade de bater papo com alguém e não pude porque o idioma não me permitiu. Outro motivo para seguir aqui: liberdade de expressão.

6 anos no Rio de Janeiro. Parece uma vida inteira. Na verdade, até é para o Pequeno. Porque dos lugares onde ele morou, é de onde tem as maiores lembranças, vivências e histórias reais. Ele não lembra nada de quando morou na Espanha (óbvio, foi embora com pouco mais de 1 ano) e tem bem poucas lembranças reais da época que morou em Roma. Tudo pra ele ficou distante e, felizmente, temos o blog com algumas histórias registradas e algumas fotos para certificar o que contamos.

Pequeno é um menino tropical (bastou o clima ficar nublado pra ele querer colocar blusa de manga comprida e calça), quase 100% carioca (só falta o sotaque arranhado, que isso - acho - não vai ter mais jeito). Gosta de praia o ano todo, de areia, de jogar futebol pelos campinhos da cidade, de amizade fácil, adora um suquinho no bar da esquina, arroz e feijão e chinelos nos pés.

Eu tenho vivido com a nostalgia do que um dia vi e vivi e com a esperança pelo que posso ver e viver mais ali na frente. Porém, sei que ando perdendo o que está acontecendo no agora. Minha rotina não tem me deixado aproveitar tudo o que tenho de bom atualmente. Talvez porque as coisas negativas estejam pesando mais na balança. Mas tenho os pés no chão e sei dar valor ao que realmente é importante.

O marido? De vez quando, acho, deve de pensar "aonde foi que me meti", mas ele é bem mais prático e realista do que eu. E sim, também se encantou pelo açaí. 

6 anos no Rio de Janeiro. MeRRRmão, vou te contar ... é história que não acaba mais.

2 comentários:

  1. :( Meu coração fica apertado ao ler, sobretudo porque meu coração mora aí ; ( minha amada filha, por quem me entrego em preces pela manhã, tarde, noite e madrugadas como agora. É triste. Fortaleza também se encontra no topo do mapa da violência e temos que seguir nossas vidas, entregando-as nas mãos de Deus. Que Deus siga lhe abençoando junto aos seus Nicolas, Bella amo cá.

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  2. Bella amica!!! Este corretor me stress rsrs

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Buen Camino, Peregrino!

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