Colóquio.

O significado tanto em italiano quanto em português é praticamente o mesmo:

"Reunião estabelecida por acordo mútuo entre duas pessoas (ou mais), para troca de idéias ou opiniões sobre questões de certa importância e principalmente de interesse comum; entrevista."

Pois bem. Semana passada tivemos colloquio, como se escreve em italiano,  com os professores na escola do Pequeno. Bem ...  colloqui, porque foi mais de um. Na verdade um colloquio com cada professor. E digo tivemos  porque o pai do Pequeno foi junto. Aqui em casa não tem essa história de se safar porque ele  trabalha fora e eu, supostamente, tenho mais tempo disponível. Se dá pra arrumar um tempinho e participar também, beleza. O filho também é dele, ora bolas! 

E, apenas usando essa brabeza como desculpa - e agora dando o real motivo -  me senti mais segura com a presença dele também. Ainda estou me acostumando com tudo, não tinha idéia de como funcionavam essas reuniões. E como muitas coisas aqui por essas bandas costumam ser tradicionais, provavelmente os 'colloquios' (P.S.1: misturando as duas línguas a livre arbítrio) seriam exatamente iguais que na época em que ele era estudante. E basicamente segue tudo igual mesmo. (P.S.2: não é uma queixa, trata-se apenas de uma observação).

Foram dois dias de reuniões: terça e quinta. Num horário estabelecido pela escola, fora do horário de aula dos alunos. Basicamente funcionou assim: cada professor numa sala, alguns recebiam por ordem de chegada e, outros poucos, por agendamento. Na terça chegamos basicamente na hora que iniciaram as reuniões e saímos da escola tarde, bem depois do horário estabelecido para o término. Na quinta, gozando da audácia de "pais de primeira viagem em reuniões na Itália", achamos que pelo tempo ruim não haveria muita gente e chegamos um pouco mais tarde. Equivocados total: saímos mais tarde ainda. E olha que em alguns momentos nos dividimos e fizemos fila de espera em separado - a vantagem de ir em dupla. Era muita gente, pois a maioria dos professores dá aula para várias turmas e várias séries.  No aviso dizia que seriam entrevistas "breves", mas de breve não teve foi nada. Na verdade, eu e o pai do Pequeno não demorávamos muito conversando com os profe's (ao menos essa foi a impressão que tivemos), mas o resto do povo, vou te contar ... não sei se era papo furado ou problemas a serem resolvidos, mas teve gente que quintuplicou o prazo máximo de 12 minutos estabelecidos.

Em resumo, o que nos disseram do Pequeno foi basicamente que estão muito felizes com ele, que ele tem aportado muitas coisas positivas à turma e à escola em geral. Que está super adaptado, apesar de ter chegado quase na metade do ano letivo. Tem conseguido acompanhar e tirado boas notas, algumas razoáveis (dentro da média), mas que os professores confiam que no próximo ano letivo ele irá além. Para algumas coisas ele precisa se esforçar mais (nenhuma novidade - o modo preguiça está sempre ativado), não precisa aulas de reforço, nem mesmo de italiano (eu e meu marido cansamos de perguntar isso para  a professora de italiano e ela sempre respondendo o mesmo: "de maneira alguma! Tem crianças aqui que estudam na Itália desde sempre e tem nível mais baixo do que o dele. Não se preocupem que ele recupera!" - eu e marido nos olhamos com cara de paisagem). Aliás, a mesma professora argumentou dizendo que em geral, quando chegam crianças de fora eles "amenizam" algumas situações, que dão trabalhinhos diferenciados (mais simples)  e que este não havia sido o caso do Pequeno. Deu um exemplo que a mesma ficha de leitura que dá para a turma em geral  deu pra ele também desde o início e fez a mesma avaliação que os demais. Ela viu que ele seria capaz, portanto, não teve grandes privilégios.

Aproveitei para agradecê-la pessoalmente pelo super puxão de orelhas que deu no meu filho (sim, sou desse tipo de mãe!). Uma das minhas maiores queixas com relação aos estudos do Pequeno (além da preguiça, mas tem a ver com) era com questão a sua letra. Mas isso não arrasto de agora, basicamente desde sempre (desde sempre que o menino começou a escrever, óbvio). Por pura preguiça o menino fazia garranchões horrorosos. Posso garantir que todos os dias brigávamos por isso. Só que a resposta dele era sempre a mesma: "a tia não reclama". Cresceu e a resposta mudou só um pouquinho: "a profe não reclama!". Ou seja, aquela história de se esforçar para fazer uma letra bonita era papo de mãe chata. Justificava minha chatice dizendo que primeiro ele precisava se esforçar por ele mesmo. Eu sabia que ele poderia escrever melhor e quando tinha meus ataques de fúria, quando rasgava tudo e gritava feito doida mandando fazer tudo novamente, a letra mudava completamente. Ou seja, ele era capaz. E, em segundo lugar - e não menos importante - por respeito ao professor que era obrigado a ler aquele lixo.

Até que chegamos aqui na Itália. E um dia ele chegou em casa com cara de paisagem e me mostrou um trabalhinho de italiano corrigido, onde a avaliação havia sido péssima. A professora se deu ao trabalho de escrever algumas observações, com letras enormes:

- "Sua letra está horrorosa. Aonde já se viu escrever assim? Pode refazer toda essa porcaria de trabalho."

Era eu. Na versão professora ... Rá! Vocês não imaginam que gargalhada soltei. Quase me ajoelhei e dei graças ao Universo por ter cruzado caminho com essa mulher.

Assim que durante a reunião quase a abracei e disse:

- "Bate aqui, Miga! Tamu junto!"

Mas como nem tudo são flores, todos também, por unanimidade esmagadora, nos disseram que Pequeno fala demais (nada novo!), participa demais, faz questão de ser perguntado sempre e uma professora em especial usou uma expressão que me fez lembrar do meu pai: resumiu Pequeno como "una persona esuberante".

Logo que saimos da escola, perguntei ao marido o que realmente significava esuberante em italiano. Fiquei com a palavra latejando na minha cabeça. Ela iniciou a breve conversa dizendo todos os elogios e logo, como o esperado, disse um "però" (mas). Pra garantir, ele foi pro Google pegar o significado:

esuberante
/e·ṣu·be·ràn·te/
aggettivo
  1. 1.
    Che ha o dimostra un'istintiva, spesso eccessiva, vitalità; vivace, estroverso, brioso, frizzante.



Usando o Google Tradutor:

"Que tem ou mostra uma vitalidade instintiva, muitas vezes excessiva; animada, extrovertida, cintilante."

Mesmo depois de traduzir fiquei com o "frizzante" na cabeça e até brinquei com o marido:

- "Nosso filho é como a água. Natural? Não. Frizzante"

P.S.3: porque aqui na Itália quando perguntam nos restaurantes, por exemplo, se queremos água, sempre perguntam se queremos "naturale" ou "frizzante" (sem ou com gás).



Eu havia entendido isso como uma queixa. Mas depois de buscar o significado real da palavra, não penso que seria de todo negativo. O que limita o significado em positivo ou negativo é justamente o que vem após a primeira vírgula da tradução: " (...) muitas vezes excessiva".

Conversamos com Pequeno e, basicamente, o que tentamos fazê-lo entender é que tudo o que é em excesso não é legal. Resumindo de uma maneira mais fácil para que ele entendesse: amor demais não é legal; sapequice demais não é legal; conversar demais não é legal; participar demais em sala de aula não é legal. Pedi que tentasse achar o equilíbrio entre tudo. Não significa que não quiséssemos que ele interagisse com as pessoas em sala de aula. Ou, que não participe quando veja oportuno. Mas, como tudo nessa vida, era necessário que ele soubesse aonde estava o limite.

O argumento dele foi o de que as professoras perguntam e os colegas não respondem. Então, ele responde. Pronto. 

Talvez, também, uma maneira que ele tenha de fazer ver que, apesar de ter chegado tarde, ele também sabe. Não sei. Até mesmo porque Pequeno sempre foi assim. Sempre gostou de participar das coisas em escola, sempre teve a mão levantada, até mesmo na igreja que frequentávamos durante as homilias do querido Padre Marcos (que fazia questão da criançada participar), quando o Padre fazia alguma pergunta, Pequeno sempre estava lá, de braço levantado e pronto para responder.

Conversar demais também é típico dele. Fala muito, pelos cotovelos. Tem uma facilidade incrível para puxar papo. Quem nos acompanha  já leu muitas histórias sobre isso. É característico dele, faz parte do seu caráter. Não puxou ao pai, que é uma pessoa mais reservada. E é minha versão aprimorada nesse quesito: eu também gosto de bater papo, mas com quem tenho certa confiança. Ele não. Basta a pessoa dar "oi" que ele já sai contando a vida inteira.

Citei meu pai porque essa vontade de falar, esse anseio de protagonismo, o tom de voz alto (a professora de inglês disse que num teatrinho que fizeram os vizinhos do quarteirão inteiro o escutaram!) e o esforço do argumento que Pequeno tem, com certeza herdou do avô. De vez em quando até o chamamos de "Pequeno Valdemir" (P.S.4: Valdemir, o senhor meu pai).

Poxa! Que todos os argumentos negativos da vida do Pequeno sejam, então, esses. Vamos combinar! O menino acabou de chegar, pegou o bonde andando, num idioma totalmente diferente do que ele estava acostumado a estudar (apesar de algumas coisas bem próximas do português, o italiano é uma língua bem difícil, sobretudo a escrita), uma rotina escolar diferente, numa escola bem diferente, numa turma que já estava integrada. Sinceramente se fosse eu tentaria passar o mais despercebida possível. Por outro lado, também entendo que os professores precisam avaliar aos outros e que, provavelmente, mais de um coleguinha deve de ficar aliviado quando Pequeno levanta a mão. "Ufa! Me livrei!", devem de pensar.

Voltamos para casa aliviados. Não que não confiássemos nele ou que fôssemos desconhecedores das capacidades (e incapacidades) e do caráter do nosso filho. Mas, talvez, uma das nossas maiores preocupações como pais em questão a toda essa mudança que fizemos, era a preocupação de como isso iria afetar ao Pequeno, sobretudo com relação aos estudos.

Ainda não sabemos qual será o resultado final. Ainda tem alguns meses de aula e algumas avaliações para serem feitas. Mas, de verdade, neste momento isso não importa. O que importa é que a vida segue, Pequeno, no positivo e no negativo (sendo sarcástica!), segue na sua essência.

Ah! E por falar nisso, a professora de educação física contou uma coisa que a deixou 'maravilhada'. Contou que durante uma das aulas havia uma pessoa ajudando a produzir uma roupa para uma determinada apresentação que eles realizarão. A pessoa (de fora da escola, me parece) ficou num canto da quadra produzindo as roupas enquanto os pequenos faziam atividades. No final da aula, antes de voltar para a sala de aula, Pequeno se dirigiu à essa pessoa para dar "tchau" e disse:

- "Olha! Muito obrigado por ter vindo nos ajudar a produzir as roupas, viu?! Obrigado mesmo pela ajuda!"

De novo meu coração ficou cheio de orgulho e aliviado: a essência de bondade e agradecimento dele segue intacta. Ufa!







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