Questão de "costume".

- "Mas pra você não vai ser um problema ... você já está acostumada", me diziam as pessoas enquanto organizava mais uma mudança.

- "Você já morou lá, não será um problema ... já está acostumada".

Temos essa mania (disse temos, por isso também me incluo) de definir costume como algo bom, aliviador, prático e resignado.

Mudar não foi um problema realmente. Passamos por momentos de estresse, perdemos noites de sono, nos enrolamos com um monte de coisa, mas não doeu. Talvez, porque estivéssemos "acostumados". Embora me atreva a dizer que você pode mudar trezentas e setenta e oito vezes, todas serão diferentes. A gente vai adquirindo experiência, vai aprendendo a selecionar melhor tudo e vai priorizando o que é fundamental e importante. Mas sempre será diferente. E sempre vai rolar um estresse, mesmo que mínimo.

Sobre "acostumada a morar fora". Não se trata de costume. Se trata de uma bagagem de experiências que a gente vai adquirindo. Mas, acredite, é sempre uma primeira vez.

"Você já morou lá". É. E não é.



Eu já morei na Itália. Após 7 anos na Espanha, tivemos o prazer de morarmos em Roma por 3 anos. O prazer e o desprazer, sejamos sinceros. Se você me acompanha por aqui há algum tempo, sabe muito bem minha relação de amor x ódio com aquela cidade. Passados os anos e as saudades, reconheço que hoje prevalece muito mais o amor. Porque já passei pelo estresse, já vivi, já tive meu momento de adaptação e, uma vez compreendida a bagunça, o caos e o caráter dos romanos, passei a me sentir em casa. E daí peguei minhas malas e fui embora ...

Engana-se quem pensa que chegar no meu país foi aliviador.

Eu nunca havia vivido no Rio de Janeiro. Foi tudo novidade pra mim. Eu não conhecia a cidade, eu não tinha idéia de onde morar. Não conhecia ninguém. Não foi fácil organizar a vida. Demoramos uns dois meses para achar casa e os trâmites burocráticos só não foram péssimos porque tinhamos uma empresa terceirizada (paga pela empresa do marido) que se encarregou de tudo. 

Pulei etapas com a questão do idioma, mas tive que aprender (e uma vez aprendido acabei amando) o carioquêixxxxx. Não. Eu não estava acostumada a viver no Brasil. E quando eu já arranhava vez que outra para falar algum "erre", quando já conhecia metade do bairro, me sentia em casa e sentia que aquele lugar me pertencia ... pegamos as malas e viemos embora. Já estávamos acostumados a fazer isso.

Família, amigos e leitores ... não. Eu não estava acostumada a morar aqui. Nunca morei aqui. E acredite Milão, Monza e Roma são cidades bem diferentes, com pessoas, jeitos e costumes diferentes. Óbvio que não aterrizamos aqui como marcianos que chegam ao planeta Terra, mas quase. Brincadeiras à parte ... até para o marido tudo foi novidade (e ainda está sendo, não estamos acostumados).

A Itália de agora não é a mesma que deixei 7 anos atrás. Os trâmites burocráticos que fiz há 7 anos não são os mesmos de agora. Agora me pareceu tudo mais lento, mais difícil, mais complicado (eu ainda não tenho o Permesso di Soggiorno que é o documento que me permite morar e trabalhar aqui). Não estou ilegal, já dei entrada no pedido. É que, como de costume, as coisas demoram. E estão demorando como nunca. Lembro que da outra vez obtivemos a carteira de identidade no mesmo dia. Dessa vez, tivemos que esperar 3 meses para obtê-la.

- "Tati, você não tem a cidadania?". Não gente. Não tenho. Poderia ter pedido a cidadania espanhola, poderia ter solicitado a italiana, mas não pedi nenhuma das duas. Por quê? Não senti necessidade. Estando casada com meu marido tenho o direito de morar e trabalhar aqui por essas bandas. Nunca senti falta de ter uma dupla cidadania. Enfim ... papo para outro post. Como este já está ficando meio longo, deixa para outro momento.

- "Mas você já está acostumada com o idioma". Realmente não foi difícil como quando morei em Roma. Naquela época não sabia nada além do básico. Precisava do meu marido para traduções simultâneas praticamente todo o momento, sobretudo porque não entendia bulhufas. Passei por alguns momentos de aperto e senti uma raiva danada cada vez que queria mandar alguém para longe e a boca trancava - e isso acontecia praticamente todos os dias. Dessa vez não. Embora com o italiano meio enferrujado e com a mania insistente que tenho de querer falar como uma nativa (e por isso me cobro e exijo mais do que o normal - já estou acostumada), tenho me virado bastante bem. E, caso queiram saber, embora fosse totalmente capaz, ainda não discuti com ninguém. Vim preparada para isso, mas não estava acostumada com tanta educação e cordialidade, mesmo que muitas vezes cínica.

- "Vocês já estão acostumados a viver longe da família". E estamos realmente. Porque mesmo quando moramos em Roma e mesmo no Rio de Janeiro, estávamos longe dos nossos e não os víamos com a frequência que gostaríamos.

Realmente, nisso eu concordo, a gente acostuma com a saudade. Mas acostumar-se com a saudade não significa que a gente a controle ou que ela desapareça. Ela sempre está aí. Tem dias que mais forte, chega avassaladora, faz com que a gente viaje em lembranças antigas, sinta nostalgia até de momentos que pareciam sem importância. A gente fica triste por não compartilhar os bons e se cobra por não estar junto nos maus momentos. Tem outros dias que a gente simplesmente se resigna, reconhece que a opção pela distância também foi nossa e encara a saudade de frente. Fazer o quê?

A gente acostuma a viver sem os sabores. Minhas experiências de antes me provaram que não vou morrer se não beber guaraná, comer açaí, farofa e me ensinaram que posso adaptar o arroz e o feijão com o que encontro aqui. Já não sinto saudade de gostos ... tá bom! Apenas da caipirinha do boteco. Mas nem isso está doendo: meu lugar preferido do supermercado é a sessão dos vinhos. Não me leva pra comprar bolsa nem sapato, me leva para comprar vinho :) Depois de pagar muitos reais por uma garrafa de vinho que aqui custa poucos euros, a gente acostuma com essa facilidade (e felicidade).


Acostumar-se. Pois bem, eu não acho que seja questão de costume. Tudo é novo, é novidade, é diferente, é sempre uma primeira vez. Os lugares não são os mesmos, as pessoas não são as mesmas, os costumes - embora parecidos - são diferentes, nossas realidades mudam e, principalmente, nem nós somos os mesmos. Talvez o encanto esteja mesmo nisso.

Não é questão de costume. Se pudesse definir em uma só palavra (e isso para mim é bem difícil), eu diria que é apenas questão de coragem.



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