Eu nunca sonhei em morar fora do Brasil. Fui parar na Espanha por conta desses "acasos" da vida (uma longa história que, quem sabe, algum dia eu conto). Mas eu só fui morar lá porque meu irmão mais velho (aqui no blog conhecido como tio Beto) foi convidado para trabalhar na Espanha durante dois anos. Na época estava morando com eles em Brasília (ele, minha cunhada e minhas três sobrinhas). A ideia era passar dois anos na Espanha e voltar para o Brasil. O resto da história vocês já conhecem: Nicola Sênior apareceu no meu caminho e meus planos mudaram.
Esse "não desejo de vida no exterior" talvez tenha sido por conta de que apesar de dois sobrenomes bem portunhóis, não tenho nenhuma descendência próxima, nem por parte de pai e nem por parte de mãe. Nenhum parentezinho pela Espanha ou Portugal que pudesse me dar o direito de ter uma cidadania europeia.
Pois bem ...
Fui pensar nessa história de cidadania lá pelo ano de 2009, quando nos mudamos de Madrid para Roma. Já estávamos casados há cinco anos e como fizemos a transcrição do casamento (nos casamos na Espanha, registramos nosso casamento no Brasil e só quando mudamos para a Itália resolvemos fazer a transcrição por aqui também). Aquela história: "tá no inferno, abraça o capeta!" Já que estávamos naquela função chata de papelada, bora agilizar a tal da cidadania.
Meu tio providenciou a papelada do Brasil que precisava. Dei um trabalhão pra ele, já que naquela época não se fazia nada pela internet (o atestado de antecedentes penais hoje, por exemplo, a gente pega online).
Com os documentos em mãos, fomos até a Prefettura di L'Aquila (cidade da região do Abruzzo - naquele momento nossa residência "legal" era em Abruzzo, onde nos registramos logo que chegamos da Espanha). Apresentei todos os documentos, parecia tudo estar indo bem, quando a senhora que estava me atendendo diz:
-"Olha! Eu posso até dar entrada no teu pedido de cidadania mas tem um erro aqui com a tradução da tua certidão de nascimento. Pode ser que ninguém se dê conta ... mas pode ser que anos depois, lá pro final do processo, alguém se dê conta e cancele tudo. O que fazemos?"
Resolvi não seguir adiante. E bem da verdade, não teria servido pra muita coisa. Poucos dias depois teve um terremoto horroroso naquela região, a cidade de L'Aquila foi uma das mais afetadas, o prédio da prefeitura veio abaixo e perderam-se quase todos os documentos que ali estavam.
Eu detesto essa função de papelada! Muito estresse, muito gasto e a verdade é que pra mim era bem indiferente ter ou não a cidadania. Estando casada com um cidadão europeu, tenho todos os meus direitos (residência, trabalho, etc) garantidos. O chato mesmo é ter que ficar renovando documentação à cada x tempo, passar em fila diferente no aeroporto. Pequenos detalhes.
Deixei pra lá. Não me fazia falta.
Até que veio a pandemia. Aquela loucura de fecha aeroporto. Entra só quem é cidadão, quem não é tem que apresentar isso, ou aquilo ... muita gente que estava com a documentação vencida não pode entrar.
Comecei a refletir sobre como este mundo está estranho. O que viria depois da pandemia? Medo de guerras, medo de separar a nossa família (já que cada um nasceu em um lugar diferente). Hoje, mais calma, esse pânico passou. Mas naquele momento fiquei um pouco neurótica.
Assim que aproveitei nossa ida ao Brasil de férias e fiz todo o processo de burocracias de documentos novamente: meu sobrinho agilizou minha certidão de nascimento atualizada, o atestado de antecedentes penais peguei online e apostilei esses documentos no Brasil. A tradução dos documentos deixei pra fazer aqui (se desse algum problema com a tradução novamente, seria mais fácil resolver por aqui).
Além desses documentos, precisava apresentar o certificado de aprovação na Língua Italiana (nível B1, prova que eu fiz alguns meses antes de viajar de férias para o Brasil, já que eles demoram uns 3 meses para emitir o certificado), certidão de casamento, meus documentos daqui (carteira de identidade e permesso di soggiorno), passaporte, pagar uma taxa de duzentos e muitos €uros e mais uma marca da bollo (uma espécie de selo que tem aqui que serve para certificar o pagamento de imposto de documentos públicos, faturas médicas, etc. - uma desculpa pra tirar mais dinheiro do povo ...).
Com tudo isso em mãos, dia 29 de janeiro de 2022 dei entrada (online) no meu pedido de cidadania.
Depois disso foi só sentar e rezar esperar. O prazo normal de espera é de dois anos, prorrogável até 36 meses (isso é o que diz o atual decreto... sabe como essas leis mudam ...).
Porém eu jurei que se desse alguma coisa de errado, nunca mais tentaria essa tal de cidadania (dá pra perceber que nunca foi meu sonho, né?!)
De Janeiro de 2022 vamos pular para o mês de Abril do mesmo ano.
Em abril de 2022 escrevi um post aqui sobre uma ida rápida a Madrid, que precisei fazer de última hora. Fui solita. Bate e volta, vapt-vupt. Quem lembra? (quem não lembra basta clicar aqui)
Pois bem ... hoje vou explicar o real motivo da ida à minha cidade preferida nesse mundo.
Em Abril (de 2022) recebi um e-mail do Ministério do Interior pedindo que enviasse meu atestado de antecedentes penais, que estava faltando.
- "Ué! Como assim?"
Me certifiquei de que havia anexado o documento e, por via das dúvidas, enviei novamente, excomungando todo mundo que trabalhava lá.
Depois que mandei o documento, reli o e-mail que me enviaram. Foi então que vi uma letrinha bem pequenina que dizia que o atestado de antecedentes penais que faltava era o da Espanha.
Sim! Porque eles pedem nosso atestado de antecedentes do país onde nascemos e dos outros países onde por ventura tenhamos tido residência.
- "Me lasquei!", foi o que exclamei logo após perceber que o prazo para entrega do documento estava acabando.
Então partiu toda aquela função de viagem de última hora. Primeiro tentei contatar o Consulado da Espanha aqui em Milão. Eles até fazem diretamente aqui tal atestado ... mas somente para cidadãos espanhóis. Poderia fazer um pedido online do documento, mas demoraria bastante tempo. Já estava vendo meu pedido de cidadania sendo cancelado.
Fui pra Espanha, trouxe o documento, precisei fazer a tradução (mais dinheiro indo embora ... porque são bem carinhas essas traduções) e com a ajuda do marido, mandamos para o Ministério do Interior via e-mail. "Ajuda do marido" porque foi ele que na maior cara de pau escreveu para o pessoal do Ministério, uma vez que o prazo para entrega já havia terminado. Alguns dias depois recebi um e-mail confirmando que haviam recebido a documentação e que minha solicitação seguiria adiante. Ufa!
Nesse meio tempo mudei de cidade, renovei meu permesso di soggiorno (documento que dão aos estrangeiros). Sempre comunicando ao Ministério do Interior todas essas alterações.
Até que em Abril deste ano, finalmente aprovaram minha solicitação de cidadania e mandaram a documentação para a prefeitura da cidade onde atualmente resido. Óbvio que ainda deu mais uns rolinhos nesse final de processo. Mas o fato é que no dia 12 de julho de 2024 fiz o juramento à Constituição Italiana.
Enquanto o prefeito lia meus dados, viu que havia nascido em Porto Alegre, então comentou que conhecia Porto Alegre, que havia ido até Farroupilha, conhecia a fábrica da Tramontina, conheceu toda aquela região da serra do Rio Grande do Sul colonizada por italianos, em sua maior parte vindos da região do Vêneto. Achei bem legal essa "coincidência".
Foi uma cerimônia simbólica mas até bonitinha com a presença dos meus Nicolas (o Sr. acho que estava mais emocionado do que eu ... e o Jr. deveria estar achando um saco!). Diante do prefeito da minha cidade fiz o seguinte juramento:
“Giuro di essere fedele alla Repubblica
e di osservare la Costituzione e le Leggi
dello Stato Italiano”.
Jurei o que nem meus Nicola's juraram :)
Ganhei de presente um livro da Constituição da República Italiana, um belo de um parabéns e um "te vira agora pra arrumar toda a documentação". Toma-lhe mais burocracia ... logo eu que detesto essas coisas! Tenho que refazer alguns documentos e tentar dar entrada no pedido do passaporte (que tem vaga somente para o ano que vem).
Essas burocracias italianas que a gente tanto detesta ...
Bom ... tenho que ler ali na Constituição se como cidadã italiana tenho direito a reclamar :)
___________________________________________________________
P.S.: meu pedido de cidadania foi por motivo de matrimônio. Não sei informações a respeito dos outros tipos de pedidos de cidadania italiana.
aAhhh no meu intervalo de almoço, correndo risco de me atrasar rsrsr corri aqui para ler e para variar, La mantequilla me atacar.
ResponderExcluirTambém passou um filme na minha cabeça e o quanto sempre torci por tudo isso! Imaginar o Nicola Pai emocionado e ver a linda trajetória de vocês, a família incrível que construíram e a "melhor contadora de histórias" que conheço sendo oficialmente, Cidadã italiana, me enche de orgulho!
Agora só falta publicar o livro TATI E SEUS NICOLAS🥰🥰🥰
DEUS ABENÇOE ABUNDANTEMENTE A VIDA DE VOCÊS
Bacciones, Bella amica
Euzibha aqui, de cara borrada hahaha
Obrigada, Rose querida!🥰
ExcluirMa que bella ragazza! :)
ResponderExcluirEu amo ver mais uma batalha sendo vencida! Tudo é demorado, tudo é trabalhoso, mas no fim, sempre dá certo!
Eu amo essa família de italianos! Me adotem! Hauahauahauahaua…
Que depois dessa papelada que falta tu tenha um pouco de sossego dessas burocracias e aproveite muito a vida nesse país que eu e o Sr. Meu Marido tanto amamos (um pouco porque vocês moram aí, muito porque somos loucos por pasta e vinho hauahauahauaha)!
Ti amo, principessa!
Beijos da dinda mais legal do Nicolinha-que-já-é-Nicolão!
Se dependesse da minha vontade, vcs ja' estavam adotados ha' tempos 🥰
ExcluirGrazie, Xexelenta da minha vida! Principalmente por estar sempre disponivel e torcendo por mim :)
LoveU