Da Janela do Trem.

Sentada na janela do trem. Enquanto ele se movimenta, vejo a paisagem. Passa tudo rápido demais. Não tenho tempo suficiente para perceber as imperfeições: as casas velhas, descuidadas, os lixos pelo caminho, as pontes quebradas ou a fábrica abandonada. Também passa rápido demais para perceber os detalhes das belezas: as construções antigas e bem cuidadas, as flores coloridas que desabrocham com a primavera, a conversa harmoniosa entre duas amigas no banco da estação ou simplesmente apreciar melhor o céu colorido do entardecer.


Assim me sinto neste momento com relação ao meu Pequeno Nicola. Uma mera expectadora do tempo que anda voando aqui do meu lado e não tenho como controlá-lo.

Para trás ficou meu bebê lindo, bochechudo, carequinha, sorridente e simpático. Dono de um olhar cativante. Lembro até hoje de quando fomos comer num chinês em Londres e a atendente fazia questão de voltar todas as vezes possíveis em nossa mesa para admirar e elogiar os olhos do Pequeno.


Com a sensação de um tempo muito longínquo, ficou também a lembrança do meu gringuinho falando com sotaque. Daquele menino cabeludinho, esperto, inteligente, comunicativo, que fazia questão de falar com todo mundo e que sempre fez questão de deixar bem claro seu ponto de vista e seus argumentos. Coisas que me ocasionaram, várias vezes, passar por cada saia justa digna de ficar escrita aqui no blog (e ficaram). 

Parece que foi ontem que me emocionei com seu coração generoso, sua bondade, com o bem querer e o respeito ao próximo. Coisas que sempre incentivamos nele, claro. Mas atitudes que partiam única, exclusiva e espontaneamente dele. Isso era exatamente o que emocionava.

E como quando um trem em alta velocidade entra num túnel e a gente perde a claridade, fica na penumbra esperando que passe logo, parece que foi ontem que o escutei pela primeira vez dizendo-se "desafortunado" por não ter tido a oportunidade de conhecer o nonno. "Essa vida é muito injusta! Por que ele precisava morrer 3 meses antes de eu nascer? Papai do Céu não podia ter esperado mais um pouquinho?", comentou ele com olhinhos tristes. Ou quando tive que explicar, da maneira que dava para uma criança daquela idade entender que a vó precisava fazer uma cirurgia delicada no coração. Ou quando, alguns meses depois, precisei contar que o vovô, a quem ele tanto amava com uma intensidade sem explicação, ficaria "diferente" e totalmente carequinha por conta do remédio que estava tomando para combater a doença chatinha que tinha. Quantas carícias na carequinha do meu pai Pequeno fez. E então câncer, o mesmo que levou seu nonno, não era mais sinônimo de tristeza, quimioterapia passou a ser sinônimo de salvação e o avô, como se não bastasse, passou a ser seu  herói. Em todas essas etapas, por ele precisei ser forte.

E já fora do túnel, com aquela claridade que chega a doer o olho, parece que foi ontem que o escutei falar pela primeira vez que "estava apaixonado" e que "tinha uma namorada". Quase com taquicardia, perguntei o que significava "namorar" para ele. Foi então que me respondeu que era brincar junto no recreio, sentar para conversar, dividir o lanche. Ufa! Meu menino não estava sendo precoce. Expliquei que aquilo era simplesmente "querer bem" e que em muitos momentos de sua vida encontraria pessoas assim. Que é normal a gente ter afinidade com algumas pessoas, querer passar mais tempo com elas do que com outras, conversar assuntos exclusivos que não somos capazes ou não queremos conversar com outros. Um pouco decepcionado (porque ele queria ter uma namorada), Pequeno entendeu que se tratava apenas de amizade.

De repente, durante a viagem, uma freada brusca. Quantos tombos, machucados e quantas foram as vezes que precisei levar meu Pequeno em hospitais. E ele sempre sorridente e simpático, mesmo doentinho. Lembro quando ainda era pequenino e, após vomitar a casa inteira e acabar com meu estoque de toalhas e lençóis, o levamos para a emergência em Roma. Passamos a madrugada inteira no hospital, dando-lhe soro. Lembro que na troca de plantão, ele ainda em observação, dava "buongiorno" para todos os enfermeiros que chegavam, sorridente e feliz, enquanto eu e o pai dele lutávamos para manter os olhos abertos, exaustos pela noitada que Pequeno nos havia dado. Ou quando fez sua primeira ecografia. Lembro até hoje do olhinho brilhando de felicidade. Meu Pequeno hipocondríaco! De todas as vezes em que ao fazer exame de sangue pedia a "borboletinha" porque senão não iria aguentar. Ele sempre aguentou. Até mesmo quando aos 6 meses precisou fazer seu primeiro exame. Isso sim: quem ficou aos prantos foi o dindo Nando.

Vez que outra, durante a viagem, é preciso levantar para alongar as pernas. Pegar fôlego para seguir adiante. Quantas ginásticas e idéias para inventar, quantas fantasias malucas precisei criar  e quantas vezes precisei me virar em mil para dar conta da agenda cheia de compromissos, dos eventos com os amigos. Em quantas festas fui sem vontade ou em quantos passeios gostaria de ter inventado uma desculpa esfarrapada para não ir. Mas, no final, ver seu sorriso e  sua felicidade amenizavam qualquer sensação de preguiça ou incômodo.

De vez em quando, alguns solavancos nos trilhos. Alguns momentos desagradáveis. Meus momentos de fúria e decepção mas, no final, sempre sabia que era uma criança e tinha todo o direito de atuar como tal. Aquela luta constante por ser um bom exemplo e de lutar entre o correto e o incorreto (e explicar o porquê de ser incorreto). Quantas pequenas mentiras descobertas. Quantas angústias por tentar fazê-lo entender que muitas vezes as coisas não são como deveriam ser. Que as pessoas não pensam da mesma maneira, não tem as mesmas prioridades, as mesmas condutas, o mesmo tipo de educação. Que muitas vezes existem pessoas que simplesmente não se importam. Não se importam se estão ferindo com um gesto, com uma palavra, com uma atitude. Mas o que mais me enchia de orgulho e felicidade era ver que Pequeno nunca sofreu com desfeitas, com falta de educação ou com pequenas maldades. Seguia dando bom dia para o vizinho que não respondia. Seguiu brincando com o amigo que não o convidou para o aniversário e se esforçou ao máximo para se aproximar de um colega que o bateu. Ele não revidou com a mesma moeda: ele revidou com carinho, com simpatia,  com inclusão, com amizade.

E o trem segue viagem, em velocidade máxima que, vez que outra, chega a dar friozinho na barriga. Da janela estou vendo meu Pequeno menino virando um jovem menino. As feições estão mudando, ele já conta os centímetros que faltam para alcançar minha altura (coisa não muito difícil). Já se fecha no quarto para escutar música e, feliz da vida, fica gritando pela casa que já tem pelinho em algumas partes do corpo, inclusive no bigode.


Numa velocidade de viagem frenética, adora discutir política com o pai, ou conversas longas, duradouras e sérias sobre história, guerras e o quanto este mundo anda complicado. Tem orgulho de "não ser de parte nenhuma": ele é do mundo inteiro. Faz planos para quando casar e tiver 2 ou 3 filhos e fica brabo quando digo que isso não deve ser o objetivo da vida dele. Dia desses me perguntou de onde gostaria que fosse minha nora (oi?) e que quando eu ficar velhinha e precisar usar fraldas ela vai cuidar de mim (mais sacana impossível esse menino!). Tem feito com que eu evolua, também, como mãe de um jovenzinho deixando-o sair com os amigos para um futebolzinho, cinema ou sorvete. E, ao contrário do marido, que fica nervoso e preocupado, eu fico aliviada por ele já estar totalmente integrado após poucos meses de mudança. Agradeço por estarmos morando num lugar que permita esse tipo de vida a ele. E meu coração explode de alegria cada vez que ele me conta um segredo, um medo, cada demonstração de confiança.

Eu queria mesmo é que esse trem andasse devagar. Sentir cada passagem pelos trilhos, apreciar com calma cada vista do trajeto. Logo eu que me encanto com o olhar, com o que vejo! Queria ter a sensação boa daquele calorzinho do sol que entra pela janela, do cochilo da viagem  ou até mesmo apreciar com calma a chuva que desce lá fora.

Como diz a canção "o trem que chega é o mesmo trem da partida". Se rápida ou longa, do único que tenho certeza é que, pelo menos até aqui, a viagem já valeu a pena.


P.S.: aqui no nosso blog, no canto superior esquerdo tem uma caixa de pesquisa, aonde você pode encontrar postagens antigas. Basta escrever uma palavra chave, pesquisar e, logo, aparecem os posts correspondentes. Por exemplo, todos os micos você pode reler ali :) 


4 comentários:

  1. Teu filho é um menino maravilhoso, com um coração do tamanho do mundo. E com certeza o mérito é muito teu e do Nicola.
    Amo vocês

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    1. A gente tenta :) mas o que mais me deixa feliz é vê-lo crescer com pensamentos e atitudes próprios. Ele já demonstra caráter (e um bom caráter) e tem um jeito todo especial dele, bondoso e generoso. Aquele medo que a gente tem de que os filhos cresçam e mudem. Provavelmente muitas coisas mudarão, mas essa essência especial dele tenho certeza que continuará. E isso é o que me deixa feliz.
      Bjokas! ∞ ♥

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  2. Agradeço a Deus pela benção de estarmos no mesmo vagão nessa viagem fantástica do trem da vida. E não te preocupes, o ritmo e a sintonia da alma e do coração são diferentes da viagem normal da vida. Na alma e no coração ficam gravados todos os momentos que julgamos não aproveitados. É a essência da vida. Parabéns pelo belo e bondoso passageiro que tu e Nicolão trouxeram para o nosso trem.
    Bjs. Fiquem com Deus.

    Tio Beto_59

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    1. Obrigada, tio Beto, pelo carinho de sempre!
      O bom dessa viagem é que nosso trenzão é cheio de vagões ... felizmente temos tanta gente conosco. E é daquelas viagens animadas, com risadas, voz alta, muita conversa e muito apoio quando precisamos.
      Estar nesse trem junto à vocês, com certeza, faz toda a diferença.
      Amo vcs!

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